
Em maio, entra em vigor a nova versão da NR-1, norma que regula as diretrizes gerais de saúde e segurança no trabalho. A principal novidade é a exigência de que as empresas realizem o levantamento dos riscos psicossociais presentes no ambiente de trabalho. A saúde mental, enfim, entra no centro da pauta normativa.
Mas também surge um risco silencioso: o de tratarmos a nova NR-1 como mais uma obrigação burocrática e não como uma oportunidade real de transformação.
Empresas podem decidir “cumprir a norma” e seguir com suas rotinas de sempre. Ou podem enxergar o momento como um convite estratégico: o de reimaginar seus ambientes, estruturas e culturas de forma a promover, de fato, saúde, aprendizado e desempenho sustentado.
A escolha está posta.
Cultura organizacional: um fator invisível que pode adoecer ou proteger a saúde mental
Entre os riscos psicossociais listados pela NR-1 estão assédio, sobrecarga de trabalho, metas inalcançáveis, ausência de apoio da liderança, jornadas excessivas e conflitos interpessoais. Nenhum desses riscos nasce do acaso. Todos são frutos de ambientes de trabalho onde a cultura normaliza o silêncio, a centralização e a desumanização das relações.
A cultura organizacional, muitas vezes invisível, age como um sistema operacional que reforça crenças, comportamentos e decisões. E quando esse sistema é regido pelo medo (medo de errar, de expor, de discordar) ele mina qualquer possibilidade de colaboração genuína, inovação ou cuidado real.
É o que mostram estudos como o Projeto Aristóteles, do Google, que apontou a segurança psicológica como o principal fator de alta performance nos times. E o que reforça Amy Edmondson, autora de The Fearless Organization, ao afirmar que ambientes psicologicamente inseguros não são necessariamente feitos por pessoas ruins, mas por estruturas e culturas que punem a vulnerabilidade e o risco interpessoal.
Ou seja, ao adotar práticas no campo da cultura, é possível recriar ambientes de trabalho e, com isso, afetar de maneira positiva a saúde mental das pessoas. Isso, claro, leva tempo e demanda intenção genuína.
Estruturas que sustentam o medo
Se a cultura dita as regras invisíveis do jogo, a estrutura define o tabuleiro e está intrinsicamente ligada à cultura. E aqui vale um alerta: muitos ambientes tóxicos não são frutos da má intenção, mas sim de estruturas mal desenhadas, que centralizam decisões, criam gargalos ou estimulam competição interna acima da colaboração.
É comum que líderes desejem genuinamente cuidar das pessoas, mas encontrem barreiras em organogramas ultrapassados, papeis ambíguos, ausência de fóruns de escuta e excesso de microgestão. Quando o sistema é hostil ao diálogo, não adianta promover treinamentos pontuais ou contratar apoio psicológico externo. As ações não se sustentam.
Uma pesquisa da Universidade de Virgínia, com mais de 230 profissionais de uma empresa de tecnologia, revelou que mesmo indivíduos razoáveis deixam de contribuir em contextos aos quais não se sentem seguros. Ou seja, estruturas mal desenhadas geram ambientes silenciosos. E esse tipo de silêncio custa caro.
Para entender mais sobre como o medo afeta o ambiente de trabalho, você pode ler nossos artigos sobre segurança psicológica clicando aqui.
Ambientes com saúde mental geram resultados
Não estamos falando de criar ambientes “bonzinhos”, mas de criar contextos nos quais as pessoas possam contribuir com qualidade. Em um mundo onde o capital humano é o diferencial competitivo mais relevante, ignorar os impactos da saúde mental sobre desempenho, inovação e clima é um erro estratégico.
O relatório da Wellhub de 2024 sobre ROI do Bem-Estar mostrou que 95% das empresas que mensuram os resultados de seus programas de saúde mental reportam retornos positivos. E 91% relatam redução nos custos com saúde. Cuidar da saúde mental deixou de ser uma pauta assistencial. É uma pauta de gestão.
A Consense não é uma clínica. Mas atua na causa.
Na Consense, não tratamos sintomas individuais. Não substituímos terapeutas ou profissionais da saúde, que continuam sendo fundamentais para apoiar o mapeamento e a solução dos desafios psicossociais encontrados no negócio. Nosso campo de ação permite trabalhar em parceria com essas ações, focando nas estruturas, na cultura. Ou seja, no terreno onde os riscos psicossociais nascem e são alimentados.
A nova NR-1 exige diagnósticos. Mas o que será feito com os dados? Eles serão arquivados para cumprir uma obrigação legal? Ou servirão como bússola para revisões profundas nos modos de liderar, organizar e se relacionar dentro da empresa?
A provocação é essa: vamos apenas cumprir a NR-1? Ou vamos repensar o ambiente de trabalho como espaço de saúde, aprendizado e contribuição?
Empresas que optarem pela transformação terão mais do que conformidade. Terão vitalidade organizacional.
Anderson Siqueira é CEO e fundador da Consense, especialista em psicologia organizacional e governança corporativa.