É muito comum que as empresas surjam a partir de um sonho. Claro que essa não é a única forma, mas em nossa experiência, conhecemos muitas empresas nascidas do desejo de mudar de vida, de fazer diferença no mundo, de levar adiante o legado da família ou simplesmente de solucionar algum problema. O fato é que todo o empreendedor já precisou mergulhar de cabeça, investindo seu tempo, talentos e investimento para fazer acontecer uma ideia, projeto ou movimento.
Com muito trabalho, esforço e um pouco de sorte [especialmente nesse nosso amado Brasil] as coisas vão evoluindo. O número de clientes aumenta, as contratações de pessoas começam a acontecer e o trabalho, claro, vai ficando mais complexo. Com isso, o desafio do empreendedor vai mudando de natureza: é preciso dar conta de mais coisas do que se tem condições de fazer sozinho. É preciso garantir que outras pessoas, a partir de combinados, acordos, protocolos e processos repliquem formatos de trabalho que garantam a continuidade, uniformidade e consistência.
É preciso delegar…
Porém, mesmo cientes dessa evolução do negócio, muitos empreendedores têm dificuldade de aprender a transferir responsabilidades e autoridade. E isso acontece por inúmeros fatores, sendo que a maioria deles é difícil de perceber ou admitir, como o medo do fracasso, a falta de confiança generalizada, a falta de conhecimento sobre o novo papel organizacional a ser ocupado e até mesmo um possível padrão autoritário de comando. O problema é que um negócio cujo líder não sabe delegar, acaba ancorado, pois não há avanço em meio à centralização e controle excessivos.
Neste artigo, meu objetivo é falar justamente sobre como a centralização e o controle minam a capacidade de uma empresa de evoluir, promover coesão e unidade organizacionais. Um caminho direto para o fracasso, já que nestes cenários, o próprio líder serve de âncora, atrapalhando a evolução.
Sou centralizador e controlador?
Um aprendizado importante até aqui é entender que a evolução de uma empresa é um fenômeno complexo e dinâmico. Isto significa que as receitas que deram certo em um determinado momento podem não dar certo, obrigatoriamente, em outro. Mais ainda, é possível que comportamentos organizacionais importantes em uma fase passem a ser nocivos em outras.
Em junho publicamos o Estudo Dores de crescimento, baseado nos diagnósticos que realizamos em pequenas e médias empresas nos nossos 10 anos de história. O estudo revelou que 7 em cada 10 empresas analisadas relataram dificuldades ligadas à centralização, seja na tomada de decisão, seja na execução do trabalho diário. Isso reforça como a dificuldade de delegar não é apenas um traço individual, mas um fenômeno recorrente no crescimento das pequenas e médias empresas. Conheça o estudo aqui.
Talvez você esteja se perguntando agora se é ou não centralizador. Para te ajudar, caso não saiba afirmar se este é o seu caso, reflita sobre as perguntas do pequeno teste abaixo:
- Você tem dificuldade de delegar tarefas operacionais para seus subordinados?
- Você tem a sensação constante de que algumas atividades só são bem-feitas por você?
- Você tem dificuldade de tolerar pequenos erros ou se abrir para novas ideias ou iniciativas que venham da equipe?
- Você percebe que sua presença e influência destravam processos, ações e projetos?
- Você se sente sobrecarregado diante de muitas decisões e ações operacionais?
- Você se sente sozinho em sua posição, sem ter com quem dividir suas dúvidas, medos ou mesmo planos e estratégias de futuro?
- Você percebe um vácuo entre sua posição e seus subordinados, como se faltasse alguém mais competente neste meio do caminho?
- Você é constantemente questionado sobre decisões que precisam ser tomadas mesmo já tendo delegado ou atribuído autonomia para alguém decidir?
- Você não consegue tirar férias ou, quando tira, não consegue desconectar do dia a dia da empresa?
- Você tem a sensação de que não pode confiar plenamente em sua equipe ou líderes?
Se você respondeu sim para pelo menos três destas questões, é possível que tenha algum traço relacionado ao controle e centralização. Se você já ouviu o feedback de pessoas sobre as perguntas acima, também é um bom momento para refletir.
O importante aqui é entender que o controle é importante e natural para os negócios. A questão é a dosagem e a motivação, pois tanto a falta quanto o excesso são nocivos para o desenvolvimento do negócio, bem como a motivação equivocada ou desconhecida.
Outro ponto fundamental é compreender que as receitas de liderança, historicamente, valorizaram o controle e o “pulso firme” da liderança como algo louvável. Aprendemos, a partir deste olhar, que um líder bom é aquele que sabe tudo o que está acontecendo e tem todas as respostas. Visão incompatível com a realidade de mundo em que vivemos hoje, com o volume de informações com as quais precisamos lidar, com a incerteza generalizada sobre tudo e com a complexidade cada vez maior das organizações.
E muitos empresários e líderes perdem a chance de alcançar o sucesso e a longevidade por não estarem dispostos a abrir mão de supervisionar cada tarefa ou do controle absoluto sobre as diversas variáveis da empresa. Na intenção de serem heróis do negócio, acabam se tornando vilões.
Mas como fugir do controle e centralização?
Para fugir do excesso de centralização e controle é preciso mais do que apenas delegar tarefas. É preciso trabalhar diariamente para que o negócio funcione como um sistema, no qual todos os integrantes e variáveis operam de forma coesa e orientada por princípios claros, para que nenhum deles se torna totalmente fundamental ou indispensável.
Para desenvolver essa ideia, quero trazer duas ações iniciais que podem apoiar você a diminuir esse comportamento nocivo:
1.Invista em autoconhecimento
Pode parece lugar comum, mas como já citei acima, o excesso de controle e centralização pode também ter conexão com questões emocionais e psicológicas. A mais comum é a própria insegurança, seja com relação ao trabalho em si ou em relação à capacidade de dar conta do trabalho. De qualquer forma, investir no autoconhecimento trará pistas importantes sobre a origem da centralização e do controle e ajudará a mitigar esse comportamento.
Quando eu era criança e frequentava minha cidade natal em Minas, lidava com animais com frequência. Uma certa vez, ganhamos pintinhos de minha avó para cuidarmos. Minha irmã mais nova, com medo de deixá-lo cair no chão, acabou matando o bichinho sufocado de tanto apertar.
Gosto desse exemplo para ilustrar como o medo pode se materializar na forma de cuidado e acabar atrapalhando as coisas. E em minha experiência essa é uma das fontes mais comuns de controle em negócios com fundadores. O medo de perder, de fracassar, de dar errado ou de parecer inadequado pode se materializar em excesso de burocracia, centralização e até de autoritarismo.
O problema é que tais comportamentos podem até trazer alguns resultados imediatos positivos, mas ao longo do tempo acabam se mostrando insustentáveis e minando a capacidade do negócio de evoluir.
O que muitos não percebem é que o controle excessivo cansa. Eu sempre proponho essa reflexão para os centralizadores que acompanho: “qual o custo disso?” Muitos líderes rumam na direção de um burnout ou ataque cardíaco por não conseguirem delegar ou facilitar o trabalho diário.
E muitos até reclamam do excesso de trabalho, mas diariamente não agem para desatar o nó que torna tudo tão complicado e exaustivo. O controle não afeta apenas o negócio, mas a saúde mental e física de todos os envolvidos. Não se pode comemorar sucesso de uma organização quando suas pessoas estão doentes ou exaustas pelo caminho.
Neste link, separei todos os artigos sobre o tema de autoconhecimento que já escrevemos no Blog da Consense, caso queira ler e se aprofundar.
2.Invista na formação de uma equipe de liderança
Recentemente, em conversa com um cliente tocamos nesse assunto. Formar uma equipe de líderes não tem a ver apenas com contratar bons líderes e deixá-los soltos, mas com investir no aprofundamento da confiança entre eles, promover debates e conflitos importantes entre eles, estimular a conversa e o diálogo entre eles e, como consequência, obter um comprometimento coletivo destes líderes com o negócio como um todo e não apenas com seus departamentos e suas carreiras.
E isso é um grande desafio, pois para chegar lá é preciso que a liderança renuncie ao ego, aprenda a lidar com o medo oriundo da incerteza e da ambiguidade do mercado, livre-se da mentalidade operacional e, também, do poder absoluto ou autoritário. Uma mudança fundamental para a formação de uma equipe de liderança coesa, cujo poder é diluído entre seus membros e cujos objetivos estão direcionados para o todo, sem politicagem e egocentrismo.
E uma das consequências dessa mudança comportamental é que a liderança assume o lugar do UM líder no processo de gestão do negócio. E quero reforçar aqui o entendimento, pois é justamente nessa ideia de coletividade do time de liderança que o empreendedor se sentirá mais à vontade para delegar e o grupo mais confiante para atender às expectativas dele.
O único cuidado aqui é não confundir isso com excesso de participação, pois isso também é um outro jeito de centralizar e controlar. Inclusive, é bem comum que o desejo de controle e a sensação da falta dele faça com que a liderança proponha reuniões de acompanhamento, que se tornam mais arenas de guerra do que reuniões.
O que quero dizer aqui é que a criação intencional de um time de liderança que atua em prol de objetivos coletivos apoia a descentralização do poder e, por consequência, a evolução organizacional.
Neste e-book, falamos mais sobre a importância das estruturas de gestão para o processo de amadurecimento do negócio e formação de uma equipe coesa de liderança.
A liderança como antídoto da centralização e do controle
Segundo uma pesquisa realizada pela USP, “uma equipe se destaca efetivamente quando o líder é capaz de delegar, agindo de forma descentralizada, dividindo o trabalho entre a equipe e procurando elevar a maturidade das pessoas através do repasse da responsabilidade e autoridade”. Mais uma vez é na boa liderança que moram os segredos da longevidade e do sucesso nos negócios.
Um nível intermediário de liderança forte permite a melhor tradução dos objetivos de longo prazo em projetos viáveis e aplicáveis, além de facilitar o acompanhamento próximo da equipe na execução desses projetos.
Ram Charan, no popular Pipeline da Liderança, aponta diversas formas de compreender o processo importante de evolução pelo qual todos os líderes devem passar na jornada de evolução de um negócio. Sua contribuição mais interessante, a meu ver, é o entendimento de que nenhum líder pode estacionar nesta jornada, pois isso implica atrapalhar o amadurecimento de todos os outros líderes ligados diretamente ao centralizador.
É preciso então que cada líder receba orientação e compreenda os valores, as habilidades e como gerir seu tempo em cada estágio do funil de lideranças particular de sua empresa. Caso contrário, gastará energia em executar um trabalho desalinhado com esse estágio e afetará toda a organização. Quer saber mais sobre o pipeline, temos um Whitepaper sobre o tema, aqui.
E mais uma vez, a coesão entre os líderes e um processo constante de compreensão dos estágios de cada líder permitirão que a liderança [no coletivo] se movimente como time, dividindo as responsabilidades sem perder de vista o objetivo comum de sucesso do negócio. Um caminho que, juntamente com um bom investimento em autoconhecimento, eliminarão o excesso de controle e de centralização de todos os níveis organizacionais.
Anderson Siqueira é fundador da Consense, especialista em desenvolvimento organizacional e governança corporativa