Minha empresa não tem processos! Será?

Aconteceu 20/11/2025

Além da burocracia: o papel dos processos na evolução das empresas

Há muitos anos, na Grécia antiga, o filósofo Aristóteles disse uma frase que ficaria perpetuada no tempo: a arte imita a vida. Pois bem, acredito que esta semana, curiosamente enquanto me preparava para falar novamente para o Blog da Consense, tive um vislumbre prático disso.  

Explico: em um dos meus momentos de descanso estava assistindo a uma série que tenho gostado muito de acompanhar. Ela retrata o dia a dia de um escritório de advocacia. Entre os casos retratados, uma história me chamou a atenção: um empresário que perdeu seu negócio para uma empresa estrangeira devido a um esquema fraudulento de aquisição.  

Tudo parecia perdido até que a empresa compradora decidiu voltar atrás e desfazer o negócio. O motivo? Apesar da compra ter garantido a tecnologia e o maquinário, não havia nenhum processo documentado sobre a aplicação ou a operação deles. Em uma fala do episódio, que a mim pareceu muito emblemática, um dos personagens diz: “eles compraram a casca do negócio, mas sem saber como operar, não conseguiram fazer nada”. 

O mais curioso de tudo foi qual tinha sido a razão de tamanha falha na aquisição: o principal líder do negócio – aquele que havia sido passado para trás – registrava tudo apenas em sua cabeça. Isso mesmo. Ele tinha uma capacidade de memória privilegiada, assim não sentia necessidade de fazer nenhum registro formal das atividades. Uma falha que foi a sua grande salvação. 

Gostaria de dizer que esta é apenas uma boa história fictícia com final feliz, mas, nas cenas da vida real das pequenas e médias empresas podemos encontrar inúmeros empreendedores e líderes semelhantes a este personagem. Confiantes no seu próprio domínio técnico do negócio, seguem crescendo um negócio com pouca estruturação e acreditando que será suficiente para elevar a empresa a uma nova categoria.  

Em nosso Estudo especial de 10 anos, lançado em junho deste ano, vulgo 2025, a ausência de processos estruturados e padronizados ocupou o terceiro lugar nas dores mais frequentes dos clientes, com 62,5% de votos. Este número reforça o que de maneira pragmática encontramos quando PMEs priorizam o operacional, deixando em segundo plano a construção de mecanismos que garantam continuidade, eficiência e aprendizado para além da rotina diária.  

Naturalmente, o assunto não é novo aqui na Consense. Há 10 anos estamos no ramo de ajudar pequenas e médias empresas a entenderem como elevar seu nível de profissionalização sem necessariamente transformar tudo isso em excessiva burocracia. Há alguns artigos aqui no blog sobre o tema, eu mesma escrevi alguns deles. Entretanto, conforme nossos clientes e nós mesmos adentramos em novos níveis de complexidade e desafios, é fundamental retomar diálogos sobre as bases que, em nossa visão, sustentam o crescimento perene de qualquer negócio.  

O mito é não compreender verdadeiramente o que é um processo 

Gosto de brincar com os clientes que, se ao longo desses anos eu ganhasse um Pix de um real a cada vez que ouvi certas frases no meu dia a dia, já teria uma boa poupança. Uma das campeãs é: “nesta empresa nós não temos processos”. Este é, sem dúvida, um dos maiores mitos da realidade corporativa, pois é impossível que um negócio exista sem algum padrão mínimo de repetição na forma de vender e entregar seus produtos e serviços.  

Isso serve para todos os tipos de negócio, em qualquer realidade ou setor. Imagine algo com poucas camadas de complexidade tecnológica, como um carrinho de pipoca, por exemplo. Para que eu possa fazer da minha operação algo replicável terei de, obrigatoriamente, seguir o processo técnico de:
 

  1. tirar o milho do saco; 
  2. colocá-lo na panela quente com óleo; 
  3. aguardar que o calor faça seu trabalho; 
  4. temperar; 
  5. colocar em algum tipo de recipiente; 
  6. entregá-lo ao cliente.
     

Veja que é impossível que eu chegue ao resultado esperado sem que eu passe por todas estas fases. Até mesmo tentar mudar sua ordem me impediria de chegar ao resultado correto. Desta mesma forma, nossas empresas estão repletas de cadeias de atividades que devem ser seguidas para que uma linha de produtos ou um cardápio de serviços exista. Processos podem estar não documentados, não organizados, não padronizados ou até mesmo não devidamente divulgados, mas é muito raro que sejam de fato inexistentes.  

Ainda assim, nem sempre aproveitamos toda a potencialidade disponível nos fluxos que já existem ao nosso redor, já que um processo bem desenhado entrega mais do que atividades técnicas executadas com excelência.  

Ele conecta rotina, dados e decisões, transformando o trabalho em fonte de aprendizado e de decisões mais bem tomadas. Bons fluxos consideram que a cada interação — seja ela interna ou externa — são geradas informações valiosas, e que estas devem chegar a quem precisa delas no tempo certo. É por isso que o fluxo informacional dos processos se torna tão relevante: garante que os dados circulem com clareza e sirvam de base para escolhas mais conscientes e decisões de melhor qualidade. 

Além disso, processos bem construídos avaliam como as relações estão presentes e permeiam as rotinas. Por muitas vezes presenciei pessoas desmotivadas e desapontadas com a falta de aderência dos demais aos processos criados, ainda que estes fossem construídos de forma excelente. No entanto, poucos analisam que, quando o assunto é busca pelo resultado, cada um de nós, na melhor das intenções, realizará aquilo que acredita ser o melhor, independentemente do que está regulamentado.  

Bons procedimentos pensam como a confiança entre as pessoas pode ser beneficiada, ganhando força e tração nas relações e não alimentando desgastes. Eles absorvem a realidade e do impacto do contexto humano para dialogar com a realidade da entrega.  

Portanto, aqueles que não enxergam a construção de processos como ferramenta e trunfo para a busca por melhores resultados perdem a chance de se manterem sempre relevantes em sua entrega de valor e gerarem maiores contribuições para todas as pessoas de interesse atingidas. 

A verdade é que o processo beneficia todos os aspectos do negócio 

Engana-se quem imagina que pensar fluxos processuais de maneira ampla e sistêmica só beneficia a excelência técnica e a qualidade operacional das entregas. Processos bem construídos, bem pensados e, principalmente, constantemente avaliados e ajustados alimentam a potência e o poder de ação de qualquer negócio. Entre os muitos benefícios, destaco três que considero estratégicos para a saúde e a perenidade das empresas, seja no curto, médio e/ou longo prazo. 

  1. Verdadeiro foco no cliente 

Na mentalidade de muitas empresas, bom relacionamento com o cliente e processos estruturados estão em lados diametralmente opostos. Afinal, parece, em primeiro plano, ser impossível entregar a proximidade e a flexibilidade que os consumidores esperam criando padrões de entrega.  

Cada pessoa parece ter uma necessidade específica, um canal de atendimento favorito ou até mesmo uma leitura diferente para o que considera uma boa experiência. Enquanto isso, o processo parece ir contra este fluxo, engessando opções e burocratizando o acesso ao que realmente importa.  

Em contrapartida, ao olhar de maneira sistêmica, entendemos que processos fundamentados na jornada e na entrega de valor para os clientes permitem que a experiência não fique a cargo do carisma, do tempo ou da boa-vontade das pessoas, já que as atividades que garantem a entrega de experiência estão devidamente mapeadas e distribuídas.  

O fluxo garante que tudo o que é fundamental para uma relação de sucesso seja considerado, analisado e organizado de forma a manter a percepção do cliente em um lugar positivo em toda a cadeia, independente de qual área está exercendo atendimento. Isso transforma a relação em uma verdadeira parceria, equilibrando com maestria as demandas com a superação constante das expectativas geradas. 

Pergunte a você mesmo: os processos que você desenha ou executa hoje te ajudam a ver o cliente como um mal necessário ou um parceiro de valor? 

2. Relacionamentos e clima saudável 

Comunicação parece ser o problema-rei em 11 de cada 10 empresas. Isso não é uma grande novidade para nenhum de nós. Mas, o que parece passar despercebido a muitos é que o relacionamento entre os indivíduos não é o único fator que compõe um fluxo comunicacional de alto padrão. O entorno e o ambiente onde esta troca acontece é tão relevante quanto a disponibilidade das pessoas em querer dialogar.  

A falta de clareza em processos ou a falta de estruturação deles alimenta desgastes por cobranças desnecessárias, clima de culpabilização em situações de retrabalho e pouca sinergia entre áreas, que gastam mais energia buscando se proteger umas das outras do que efetivamente colaborar. 

Além disso, é muito comum ver colegas de trabalho frustrados uns com os outros pela falta de compreensão e empatia exercidas no dia a dia na entrega do trabalho. Muito disso pode ser mitigado simplesmente ao se conhecer mais das rotinas processuais e da cadeia de valor macro que a empresa tem ao entregar um trabalho.  

Em mais de um cenário, a experiência prática de trabalho me mostrou a melhora das relações humanas quando os processos estavam bem estruturados e divulgados de forma estratégica entre toda a força de trabalho. Procedimentos bem pensados ajudam os times a se enxergarem como uma grande engrenagem, onde o trabalho de um se torna a matéria-prima do outro. 

Pergunte a você mesmo: os processos que você desenha ou executa hoje facilitam ou dificultam o trabalho em equipe? 

      3. Escalabilidade e produtividade 

Por fim, é impossível não falar dos ganhos efetivos que padrões pensados estrategicamente podem trazer às rotinas de qualquer pessoa, setor, área ou empresa. Fluxos bem construídos abrem espaço para automações eficazes, eliminação de ações que não agregam valor e fluidez no crescimento, seja em volume ou em complexidade de atividades realizadas.  

Olhar para processos e pensá-los como ferramenta de gestão permite que a verdadeira produtividade venha à superfície: não aquela que apenas quer fazer mais rápido ou o famoso “mais com menos”. E sim aquela que faz melhor a cada dia, utilizando cada recurso disponível com excelência e transformando a busca pelo resultado algo agregador e cheio de significado. 

Pergunte a você mesmo: os processos que você desenha ou executa hoje te permitem fazer mais e melhor com menos? 

Ao completarmos nossos 10 anos de jornada como Consense, entendemos que nossa vocação não está em apenas fazer empresas e pessoas crescerem, mas em verdadeiramente evoluírem. Virar a chave sobre a potencialidade de processos estruturados faz parte desse jogo vitorioso.  

Então, se você ficou comigo até o final deste texto, quero desafiá-lo a, dentro de sua realidade e autonomia, pensar processos e fluxos de uma forma diferente. Não apenas como burocracia, como checklist de coisas a serem feitas ou uma iniciativa inevitável nas empresas que crescem, mas como algo que pode transformar a maneira como você trabalha, se comunica e se relaciona. E é justamente este como que faz toda a diferença. 

Camila Carvalho é jornalista, sócia da Consense e especialista em desenvolvimento humano e organizacional. 

Entre para o Ecossistema Consense e receba nossos conteúdos.

Não enviamos spam, apenas insights, conteúdo relevante e novidades do nosso ecossistema.

    whatsapp
    Feito com Ouzzi Logo pela Ouzzi Logo