Grande parte das empresas acredita que tem uma estratégia. Na prática, o que chamam de estratégia é um conjunto de intenções organizadas em um plano, que costuma partir de um único cenário presumido: o de que o mundo continuará parecido com o de hoje. O problema é que esse futuro nem sempre acontece como planejado e quando isso acontece, o que se evidencia não é a falta de inteligência ou esforço, mas a ausência da capacidade de alimentar e atualizar constantemente uma visão de futuro realmente compartilhada.
Uma das dores mais recorrentes que observo nas empresas em crescimento é a desconexão entre a estratégia e o cotidiano operacional. A liderança fala em crescimento, inovação e posicionamento, enquanto a operação continua imersa nas urgências do dia a dia. O que falta, na maior parte das vezes, é a capacidade de alinhar a leitura de futuro entre quem pensa a estratégia e quem a executa no dia a dia.
A consequência dessa dissonância é a dificuldade de amadurecer de fato a organização, já que na prática só se investe naquilo que a empresa já sabe fazer, enquanto fica de lado o questionamento crítico se isso ainda faz sentido diante de um contexto que se transforma o tempo todo.
Um artigo da MIT Sloan Management Review muito interessante chama esse fenômeno de “cenário fantasma”, uma espécie de ponto cego ligado ao fato de que lideranças discutem muito sobre o que fazer, mas raramente questionam em que contexto farão. E ao trabalharem com um único cenário implícito de futuro, mais ou menos o mesmo de ontem, acabam ignorando o pano de fundo que muda silenciosamente.
É o que alguns autores chamam de dilema objeto-fundo: a estratégia (o objeto) ganha toda a atenção, enquanto o cenário (o fundo) é tratado como estável. Essa falta de visão contextual é o que faz boas estratégias fracassarem em ambientes que deixaram de ser os mesmos para os quais foram desenhadas.
Em nosso Estudo Consense, baseado nos diagnósticos que realizamos ao longo dos últimos dez anos, vimos esse padrão se repetir com frequência. E pior ainda, em muitas empresas em crescimento, a visão de futuro está centralizada em uma ou duas pessoas, geralmente fundadores e executivos. São essas pessoas que carregam o mapa de navegação, enquanto o restante do time interpreta o caminho a partir de fragmentos. Uma assimetria que cria lentidão, desalinhamento e desgaste.
Visão compartilhada como forma de unir percepções sobre o futuro
Criar uma visão compartilhada, portanto, é fundamental para unir as percepções obtidas pela operação com as leituras de cenários elaboradas pela liderança. Um movimento de governança e de coesão estratégica que permitirá transformar a fragmentação em riqueza estratégica e permitir que a energia da execução avance na mesma direção, mesmo quando o contexto muda.
As empresas que desenvolvem essa competência conseguem alternar o foco entre o agora e o que vem depois, revisitando premissas, ajustando rotas e mantendo a estratégia viva.
Por isso faz tanto sentido considerar que a estratégia precisa respirar, sentir o ambiente e se adaptar sempre que novas informações sobre contexto forem assimiladas. E isso só é possível quando o futuro é discutido em conjunto, criando uma visão compartilhada em constante transformação.
Crie rituais de discussão de estratégia e de mudança de cenário
Por isso, criar rituais para revisar o futuro deveria ser parte da rotina de toda liderança. “Subir o drone”, como costumo dizer, é um exercício que ajuda a enxergar de cima o desenho do negócio e o contexto em que ele está inserido. E vale novamente afirmar: não apenas a estratégia, mas o contexto no qual ela está inserida e as diferentes janelas de futuro nos quais ela se desenvolverá.
Reconheça que toda estratégia organizacional pressupõe um cenário futuro que poucas vezes é questionado. Ou seja, todo líder escolhe um contexto, seja essa escolha consciente ou não. Por isso é fundamental refletir criticamente esses contextos e reconhecer que as condições atuais apresentam uma hipótese de futuro, não uma realidade imutável.
Algumas práticas simples podem ajudar a transformar essa ideia em rotina. Uma delas é reservar, a cada trimestre, um tempo exclusivo para olhar o futuro, o que mudou no mercado, quais movimentos do ambiente merecem atenção e se as escolhas estratégicas continuam fazendo sentido.
Outra é criar, todo mês, um momento breve de reflexão coletiva, em que a equipe revisita prioridades e compartilha percepções sobre o contexto. Considerando tanto o conhecimento analítico das lideranças como o operacional das equipe. São conversas curtas, mas que evitam só enxergar o que está na frente e o que se desenrola de forma linear.
O importante é não deixar o futuro virar assunto de planejamento anual. Ele precisa estar presente na agenda como um compromisso recorrente de quem quer construir longevidade. O futuro não cabe no plano, mas cabe em uma cultura que revisa, aprende e constrói sentido em conjunto. É essa cultura que transforma planejamento em direção e estratégia em longevidade.
Anderson Siqueira é fundador e educador na Consense, especialista em desenvolvimento organizacional, governança e cultura corporativa.