Além do organograma: como pensar estrutura de forma estratégica?

Gestão 09/08/2025

Muitas pequenas e médias empresas crescem sem perceber que carregam consigo a mesma estrutura que tinham quando eram menores. O organograma, quando existe, é fruto de um acúmulo de decisões pontuais, quase sempre apenas para dividir pessoas por função, e não um desenho intencional que conecte a estrutura à estratégia.

O Estudo Consense de 10 anos revelou que 86% das pequenas e médias operam com estruturas desalinhadas à sua estratégia atual. Isso significa que, mesmo com novos produtos, clientes e metas mais ambiciosas, a “espinha dorsal” da empresa segue improvisada, com papéis mal definidos, cadeias de decisão confusas e um fluxo de informação pouco fluido. O resultado é previsível: decisões lentas, sobrecarga de líderes e retrabalho constante.

Estrutura não é só organograma

Quando falamos de estrutura organizacional, estamos falando de um sistema, não apenas de caixinhas e nomes. Estrutura é a forma como as funções, fluxos de decisão, responsabilidades e interações são organizados para executar a estratégia. E, assim como a estratégia e a cultura, precisa ser desenhada e atualizada intencionalmente.

No campo da teoria organizacional, diferentes tipos de estrutura podem apoiar diferentes estratégias:

  • Funcional: agrupa pessoas por especialidade (ex.: marketing, operações, finanças). Boa para eficiência e especialização, mas pode criar silos.
  • Divisional: organiza por produto, mercado ou região. Traz foco e proximidade com o cliente, mas pode duplicar recursos.
  • Matricial: combina critérios funcionais e divisionais, equilibrando especialização e foco, mas exige maturidade para lidar com autoridade compartilhada.
  • Baseada em projetos ou redes: mais flexível, ideal para ambientes dinâmicos, mas pode gerar insegurança sem processos claros.

Existem ainda as com células autônomas, responsabilidade compartilhada, holacráticas e por aí vai. A quantidade de possibilidades evidencia que o ponto não é “qual é melhor”, mas qual é o melhor arranjo para sustentar a execução da estratégia atual e o contexto geral do negócio.

Além disso, vale considerar que a estrutura precisa expressar os valores declarados da cultura e, claro, contribuir para que sejam vividos de fato, evitando recados contraditórios.

As três estruturas que toda empresa carrega (querendo ou não)

O especialista alemão Niels Pflaeging apresenta uma perspectiva sobre estruturas que pode gerar muitos insights nessa conversa. Segundo ele, todas as organizações operam simultaneamente com três estruturas distintas, não apenas uma.

A estrutura formal é aquela que aparece no organograma: hierarquias, cargos, autoridades oficiais. Serve para gerar compliance e controle, mas jamais consegue produzir valor por si só. É onde muitos líderes concentram 80% de sua atenção.

A estrutura informal é o reino da política, das redes de influência, das conversas de corredor. É onde acontecem as verdadeiras articulações sociais que fazem as coisas realmente andarem, para o bem ou para o mal. Empresas como o Google dominaram a arte de cultivar positivamente essa estrutura informal.

Mas a mais importante é justamente a menos compreendida: a estrutura de criação de valor. É onde o trabalho que gera resultado de fato acontece. São as redes de colaboração real entre equipes, os fluxos que entregam valor ao cliente, as conexões que fazem a empresa funcionar na prática.

O problema é que a maioria das empresas sufoca sua estrutura de criação de valor em nome de hierarquias rígidas e controles excessivos. O resultado? Organizações típicas aplicam apenas 20% de sua energia total na criação de valor externo, desperdiçando 80% em burocracia, administração e disputas internas. A Toyota é um exemplo de empresa que desenvolveu maestria em empoderar e liderar através de sua estrutura de criação de valor, transformando-a na estrutura dominante.

Na prática: o CFO reportando ao CEO é formal; a coordenadora que mobiliza três áreas porque todos confiam nela é informal; uma “tribo” de produto com times de marketing, operações e tecnologia, com autonomia para ajustar o trabalho a ser feito e as métricas de cliente semana a semana, é criação de valor. O erro comum é investir energia só no organograma (formal) e ignorar o que realmente entrega (valor) e como as pessoas se articulam (informal).

Isso significa que, ao redesenhar sua estrutura organizacional, a pergunta central não deve ser “como organizamos as pessoas?” mas sim “como organizamos o fluxo de valor?”.

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A estrutura formal deve servir à criação de valor, não o contrário

Em um de nossos clientes, a LBR Engenharia, apoiamos um redesenho completo da estrutura que incluiu a criação de funções inexistentes, eliminação de sobreposições, descentralização de decisões e implementação de um sistema de governança mais alinhado com o contexto atual de crescimento. O objetivo desse trabalho foi sustentar a estratégia agressiva de crescimento da empresa e evitar o colapso de sua capacidade de entregar valor.

O impacto foi visível: maior engajamento das lideranças, mais integração entre áreas e até aumento de receita, mesmo com um quadro menor de colaboradores. Se quiser ler mais sobre esse caso, clique aqui.

Em outro caso, na Juscon, um escritório contábil com aproximadamente 100 funcionários. O desafio era remodelar a estrutura considerando que o novo objetivo estratégico era ser mais consultivo para os clientes. Neste caso, o modelo funcional tradicional para escritórios contábeis não seria capaz de permitir que a entrega de valor fluísse de forma adequada. Foi quando decidimos criar uma estrutura baseada em células de complexidade, com equipes multidisciplinares, atuando em prol de solucionar problemas reais de clientes parecidos.

Sua estrutura é capaz de sustentar o futuro que deseja?

Tudo isso nos mostra que não existem boas estratégias separadas de boas estruturas. Todo trabalho de estrutura deve nascer de uma análise criteriosa do momento do negócio e de seus objetivos estratégicos.

Além disso, uma estrutura bem desenhada não só sustenta a estratégia como também impulsiona a cultura organizacional. Estruturas improvisadas alimentam a entropia cultural, desperdiçando energia em política interna, retrabalho e disputas por território. Leia mais sobre entropia cultural aqui.

Se a sua empresa está crescendo, vale perguntar: a estrutura que temos hoje é capaz de sustentar o futuro que queremos?

Se a resposta for “não sei” ou “provavelmente não”, é hora de colocar o tema na pauta estratégica e discutir com mais seriedade o fato de que crescer não é suficiente, é preciso amadurecer e evoluir como organização. Porque estrutura não é algo para “quando a empresa crescer”, ela é justamente o que vai permitir que o crescimento aconteça com equilíbrio e consistência. E vale relembrar: estrutura não se trata apenas de desenhar caixinhas no organograma, mas de criar as condições fundamentais para que o valor flua da empresa para o mercado com o mínimo de desperdício e máxima efetividade.

Anderson Siqueira é fundador e educador na Consense, especialista em desenvolvimento organizacional, governança e cultura corporativa.

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