Uma pesquisa realizada pela Universidade de Quebec, no Canadá, mostrou que o empreendedorismo pode ser uma jornada solitária. Essa solidão pode ser entendida como o sentimento gerado por estar sozinho, seja sem companhia ou sem um espaço seguro de troca e compartilhamento. Uma sensação que pode tornar o mundo dos empreendedores individuais e CEO’s desprovido de cores e até sombrio às vezes.
Você, empreendedor, já deve ter percebido essa dificuldade: estar no topo de uma cadeia hierárquica e, mesmo com o orgulho dos frutos e resultados, sentir falta de ter com quem dialogar sobre seus medos e seus desafios ou para pedir conselhos e trocar opiniões.
E você não está sozinho nessa.
Segundo a pesquisa “CEO Snapshot Survey”, publicada na HBR, metade dos CEO’s entrevistados relatou já ter experimentado sentimentos de solidão. Já em outro trabalho, conduzido pela Cambridge Satchel Company, no Reino Unido, o isolamento foi citado como um dos maiores desafios enfrentados pelos empresários. Quase um terço dos entrevistados disseram que a solidão é “um grande problema” ou apenas “um problema”.
Quais os impactos da solidão?
A solidão pode afetar o desempenho pessoal. Segundo a mesma pesquisa publicada na HBR, 61% dos líderes relataram perceber os impactos da solidão em sua performance. E quase 70% dos recém-chegados em cargos de C-level, que experimentaram a solidão, disseram que tais sentimentos afetam negativamente seu desempenho.
Não apenas o desempenho, a solidão pode afetar a saúde. As conexões sociais fracas e o isolamento estão associados a uma redução na qualidade de vida semelhante a causada por fumar 15 cigarros por dia. Impacto maior do que o causado pela obesidade, por exemplo. Em quadros crônicos, pode levar à depressão, estresse, ansiedade, além de uma série de outros transtornos.
Por fim, pode afetar o desempenho da empresa e de outras pessoas. Com o tempo, muitos líderes passam a centralizar excessivamente decisões e tarefas, a inibir o aprendizado da equipe e até a valorizar o isolamento como sinônimo de sucesso e poder. Comportamentos que minam o desenvolvimento do negócio e, mais ainda, prejudicam a tomada de decisão em um mundo complexo e incerto como o nosso.
Comece pelo começo
É preciso, primeiramente, se perceber solitário. O simples ato de reconhecer sentimentos de solidão ou isolamento pode ser um alívio em si. Todavia, negar constantemente essas emoções em troca de um [falso] senso de autoconfiança pode ser exaustivo. Tarefa que gasta uma energia valiosa, que poderia ser direcionada para algo efetivo.
Esse reconhecimento precisa ser acompanhado de uma consciência madura sobre a solidão de empreender ou comandar uma empresa. Não se trata de um erro ou defeito profissional. Ao contrário, trata-se de um fator inerente ao cargo. Ou seja, é preciso aceitar o quão complexo e amedrontador podem ser as responsabilidades de um líder nesta posição e, de forma madura, cultivar comportamentos para lidar com isso.
Participe de alguma comunidade
Uma boa maneira de lidar com o isolamento é estabelecer uma rotina de participação em conferências, eventos e grupos com outros empreendedores que podem ou não estar ligados ao mesmo ramo que você, mas que compartilham dos mesmos desafios.
Busque grupos online ou presenciais que sejam efetivos em proporcionar o compartilhamento de boas práticas e lições aprendidas. Não apenas com o objetivo de fazer networking ou vender, mas com a intenção de criar uma rede de apoio. Pessoas próximas, cujos exemplos, o ajudarão a organizar ideias e ampliar os horizontes.
Alimentar as relações online também é um caminho interessante. Afinal, as redes sociais não servem apenas para fazer marketing. Existem milhares de comunidades temáticas e, caso não conheça nenhum grupo, você mesmo pode iniciar um.
Essas conexões ampliam o senso de comunidade e, mesmo que pela tela do celular ou computador, oferecem mais caminhos do que estar isolado.
Celebre suas conquistas
A lista de desafios para gerir um negócio e mantê-lo relevante e crescendo é enorme e pode ser muito dura. Por isso, a tendência é que muitos empresários mantenham seu olhar e trabalho focados nisso. Porém, desta forma, acaba sobrando pouco tempo para celebrar as conquistas e realizações pessoais e do time. E celebrar as conquistas é fundamental para manter a motivação e alcançar sucessos possivelmente maiores.
O ponto aqui é estabelecer uma rotina, que pode ser semanal, para tirar o foco do presente e se reconectar com os motivos iniciais do negócio. Essa atividade permite a manutenção da conexão emocional com o propósito e ainda aumenta o bem-estar, que combate a sensação de solidão e revela o impacto social do trabalho.
Aqui vão algumas dicas: Fechou um negócio importante com algum cliente? Saia para jantar com sua equipe ou família. Encerrou um curso novo? Faça um brinde com seus amigos, compartilhe um pouco do conhecimento obtido com eles. Relembre constantemente a diferença que seu negócio faz na vida das pessoas.
É importante registrar suas vitórias e lembrar que empreender tem mais a ver com a jornada do que com a chegada.
Saia da toca
A percepção de isolamento e solidão não depende, necessariamente, de estar sozinho em um negócio. Muitos líderes, mesmo com equipes, se sentem desta forma. Os casos são variados: empreendedores individuais, empresários sem sócios, mas com equipes ou até mesmo com sócios, mas com relações assimétricas ou deterioradas. Em qualquer caso, pode haver solidão e será necessário sair da toca.
A toca pode ser entendida como o conjunto de fatores físicos e emocionais que nos distancia das pessoas. Podem ser os desafios e as tarefas, a caixa de e-mails, a agenda lotada ou própria sala de trabalho. Pode ser também o medo do fracasso, a baixa confiança em si mesmo ou até o excesso de esmero e o perfeccionismo.
Aqui vão algumas dicas: Se você é um empreendedor individual, pode trabalhar em ambientes coletivos, como coworkings ou em cafeterias. Já no caso dos que têm equipe, vale estabelecer uma rotina que inclua contato com as pessoas. E isso pode ser feito aumentando os espaços de colaboração, de inovação coletiva e de consenso.
Neste link, você pode ver um dos nossos materiais sobre a condução de processos colaborativos.
Que tal um parceiro?
Uma das principais reclamações feitas por líderes isolados é a ausência de alguém com quem dividir suas preocupações e desafios. Antes de procurar um sócio efetivo para o negócio, é possível encontrar pessoas na mesma situação e colaborar.
Para isso, pode ser alguém que esteja em um negócio diferente, mas relacionado com o seu ou na mesma cadeia de valor. Alguém que esteja em um estágio semelhante da sua jornada empreendedora, com quem você possa se relacionar e que tenha facilidade em se comunicar. Pode ser alguém para dividir o escritório ou se reunir semanalmente. A ideia é criar um ambiente corporativo de troca e compromisso.
E, em todo caso, será possível buscar um sócio. Uma busca complexa e importante, mas que parte do princípio de que pode existir alguém com competências complementares às suas e que trará ganhos para o negócio. O fundamental aqui é que seja um processo amplo de análise e aproximação. Evitando, assim, riscos para o negócio.
Assim como nós, os negócios também amadurecem e evoluem no decorrer do tempo. Entender o estágio de maturidade do negócio pode ser fundamental para tomar decisões, como a de trazer um novo sócio ou fazer mudanças culturais. Nós criamos um infográfico que pode ajudar você a descobrir o estágio de maturidade do seu negócio. Para fazer o download do material gratuito, clique aqui.
Pedir ajuda sempre é um bom caminho
Uma das maiores perdas causadas pelo isolamento é a diminuição de perspectivas e contaminação destas perspectivas por uma ótica enviesada de mundo. Ao pedir ajuda, podemos ampliar as percepções e ainda averiguar nossos vieses inconscientes sobre determinadas questões.
Portanto, não tenha vergonha de pedir ajuda. Uma iniciativa que, ao contrario do que muitos pensam, é muito inteligente. Muitas pessoas estão passando ou já passaram pelos desafios que você está vivenciando e conversar com elas pode trazer insights fundamentais.
Você pode encontrar um mentor ou um conjunto deles. Pode também contratar profissionais que te permitam falar, refletir e dialogar. Somente outra pessoa pode vê-lo sem os preconceitos que você já criou sobre você mesmo internamente.
Se for preciso chorar e desabafar, procure encontrar alguém com quem possa ser vulnerável. Tenha seu espaço e aproveite os benefícios de humanizar seu processo e jornada empreendedora.
Não perca sua humanidade
Fomos forjados em uma cultura que elogia empreendedores de sucesso e dá a eles o status de deuses. Elon Musk, Mark Zuckerberg, Steve Jobs, Bill Gates – todos exemplos para seguir e admirar. Porém, tal cultura acaba por reforçar a visão de que empreender é uma jornada de felicidade e sucesso constantes.
Não é bem assim. Empreender não é um conto de fadas e muitos empresários pagam um preço psicológico bem alto para chegar onde estão agora. Desde os vários momentos de ansiedade até o isolamento e a solidão, trata-se de viver dialogando com nossos limites físicos e mentais constantemente.
Nossa lista traz dicas e sugestões para permitir que você mantenha sua humanidade no lugar. E um dos aspectos fundamentais disso é a busca por comunidade e parceria. Experimente as diferentes estratégias e procure a que melhor funcione para você.
Tem alguma outra boa prática ou ação no seu dia a dia pra aliviar esse sentimento de solidão? Compartilhe conosco. Empreendedores são os responsáveis pelos avanços e melhorias da nossa sociedade e não estão sozinhos nessa jornada.
Anderson Siqueira é CEO e fundador da Consense educação para as relações, especialista em psicologia organizacional e governança corporativa.
Para saber mais:
Estudo de Quebec: https://reader.elsevier.com/reader/sd/pii/S2213058615300097?token=585F94B39988EF7D47E4B506E8578A05E22D4929267259BB02C306EDE54863ED4D084FBD84B2919E51D5B958F4A686DC
Sobre a solidão como transtorno: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3890922/
Matéria da HBR sobre a solidão: https://hbr.org/2012/02/its-time-to-acknowledge-ceo-lo