quinta-feira, 11 junho 2020 / Published in Artigos

Como garantir a colaboração em tempos de isolamento?

O desafio é o mesmo para todos. Distantes fisicamente, tentamos criar formatos de trabalho que atendam aos novos tempos. Além dos problemas de conexão e software, juntam-se a rotina familiar, os filhos e os cuidados com a casa. Demandas antes bem divididas assumem status prioritário na mente e na rotina. O resultado é um só: cansaço e ansiedade.

Para os poucos que não vivem essa realidade, sobra a consequência deste clima na casa dos seus pares. Sempre haverá alguém do outro lado da tela com saudade dos dias em que podia estar longe de tudo e de todos, apenas trabalhando. Realidade que cada vez mais se distancia, não apenas pela quarentena, mas pelos novos “jeitos de fazer” que vemos se tornarem o “novo normal”.

Atualização: Veja a palestra online feita pelo Anderson Siqueira, fundador da Consense, sobre Gestão da Colaboração. O evento aconteceu em parceria com o Inovabrá, iniciativa do Banco Bradesco para a inovação.

Com tudo isso, o ambiente no qual nossas construções coletivas se desenvolvem mudou. No lugar das mesas de café, salas de reunião e espaços de inovação, entraram os fones de ouvido, a câmera e o sofá. Em vez da proximidade física e dos estímulos sensoriais diretos, ganhamos teleconferências, zoom e compartilhamento de telas.

À primeira vista, é possível pensar que, desta forma, não existe espaço para boas construções coletivas. Sobretudo, ao considerar que muito do que sabemos ser decisivo para se obter sucesso em colaborações vem da capacidade de se estabelecer conexões profundas, empáticas e confiáveis. Atributos, à principio, construídos na vida real, lado a lado.

Porém, já sobrevivemos até aqui. E o tempo já vivido em quarentena demonstrou que muitas crenças relacionadas ao trabalho remoto precisaram ser deixadas de lado. O que fica é a dúvida sobre como garantir sustentabilidade para as construções coletivas em um mundo em que
os conceitos de espaço de trabalho e colaboração têm mudado e o isolamento físico tem se tornado parte comum da vida cotidiana.

A importância e a força do trabalho coletivo

O trabalho coletivo é um instrumento poderoso para as organizações que valorizam a aprendizagem como forma de evolução e expansão. Em um mundo cada vez mais complexo, imprevisível e competitivo, saber organizar e engajar as pessoas em processos colaborativos é um fator decisivo para ampliar a capacidade de resposta frente aos desafios inerentes ao nosso tempo.

Uma pesquisa da Universidade de Queens descobriu que 75% dos funcionários consideram o trabalho em equipe e a colaboração muito importantes. Revelou ainda que 86% dos executivos consideram a falta de colaboração o principal fator responsável por falhas no local de trabalho.

Um outro estudo realizado pela Universidade de Stanford mostrou que a colaboração não impacta apenas a qualidade do trabalho em si, mas também o engajamento individual. Segundo o estudo, “a simples sensação de ser parte de uma equipe trabalhando em um desafio torna as pessoas mais motivadas diante dele”. Durante essa pesquisa foi percebido ainda que os profissionais que trabalhavam em grupo se mantiveram 64% mais tempo nas atividades do que as pessoas que trabalhavam sozinhas.

Porém, segundo o estudo de Queens, apenas 18% conseguiram relatar os impactos positivos diretos da colaboração em seu trabalho. Ou seja, embora a importância da colaboração seja bem entendida, ela raramente é percebida. Para ajudar na tarefa de garantir a sustentabilidade do trabalho coletivo e compreender seus impactos, quero indicar três iniciativas
fundamentais que podem ser iniciadas com seu time agora.

Discuta e repense [coletivamente] o trabalho coletivo

A colaboração não é apenas uma técnica ou ação, é um valor. E como tal, precisa ser desenvolvida de forma pessoal e coletiva, influenciando os comportamentos e se tornando um alvo moral. Entender isso é ainda mais importante em tempos de isolamento físico, já que ele tem ajudado a revelar as falhas e forças de cada equipe em relação ao trabalho coletivo. O que ajuda a construir reflexões mais honestas sobre o tema.

Por este motivo, é importante conversar sobre como sua equipe colabora. Costumo chamar isso de “conversar sobre a conversa”. Ou seja, falar abertamente sobre o próprio desempenho durante trabalhos coletivos. Compreender a maneira como as mudanças deste período tem afetado
o trabalho colaborativo do time será fundamental para garantir a sustentabilidade destas construções.

E são diversos os fatores sistêmicos que influenciam a maneira como colaboramos e que merecem discussão. Vai aqui alguns exemplos: a maneira como a informação flui pela organização; como as decisões são tomadas; como as pessoas se sentem ao participar destes espaços; se existe segurança para falar abertamente sobre tudo; sobre a influência do layout físico do espaço (ou do sistema / serviço digital utilizado); como se mede e recompensa o comportamento das pessoas durante as construções coletivas; entre outros.

Aqui na Consense, nós usamos um esquema que apoia a percepção estratégica do impacto da colaboração. Um framework que ajuda a estabelecer reflexões amplas sobre como cultivar a colaboração de forma sistêmica. Para baixar o kit gratuito com uma apresentação e o framework, clique aqui.

Abra espaço para ferramentas e comportamentos ideais para seu time

Cada time tem uma dinâmica de trabalho. O período de isolamento não abriu um portal onde tudo se fez novo. As coisas adentraram um novo contexto, sim, mas o conhecimento que possuem juntos deve ser ponto de partida para considerar o melhor formato de trabalho.

É provável que os times mais habituados com a colaboração tenham dedicado tempo escolhendo instrumentos que facilitem seu processo natural. Já os times sem esse hábito devem ter visto os dilemas da falta de colaboração aumentarem e, com eles, a necessidade de refletir mais sobre o formato de trabalho ideal do que sobre as ferramentas.

O fato é que existem inúmeros formatos de trabalho e, depois, ferramentas que permitem a colaboração. Aproveite este momento para fazer testes. Quantas reuniões semanais serão necessárias fazer? Quantas serão com o time todo e quantas serão individuais? Qual a estrutura dos encontros para discutir projetos? Quais as formas e onde documentar? As possibilidades são inúmeras, aproveite para abraçar a transformação digital e evoluir.

Cuide das relações e conflitos e colha resultados sistêmicos

O trabalho coletivo sempre foi uma bandeira muito defendida. Porém, são poucos os líderes e empresas que assumem as consequências inerentes à participação. O aumento dos conflitos é uma destas consequências. Um preço justo, visto que o aumento de valor das decisões tomadas em grupo é exponencial. Entretanto, conflitos mal gerenciados podem comprometer toda uma estratégia de participação.

Um estudo do Instituto de Produtividade Corporativa, nos EUA, demonstrou que companhias que incentivam o trabalho coletivo aumentam em até cinco vezes a produtividade de seus times. Outro trabalho muito conhecido feito pelo Google, revelou que dentre as principais características de equipes de alta performance, uma é fundamental: a segurança psicológica,
definida como uma crença comum aos membros de uma equipe de que é seguro assumir riscos interpessoais por ali.

Sendo assim, fica claro como o cuidado com as relações é fundamental para se estabelecer parâmetros sustentáveis para a colaboração. E que, apesar do isolamento físico parecer um grande inimigo deste tipo de trabalho, são os elementos relacionados ao formato de trabalho, aos processos escolhidos e às dinâmicas relacionais do grupo que irão definir o sucesso e o quão impactante será o trabalho coletivo da sua equipe.

Anderson Siqueira é CEO e fundador da Consense educação para as relações, especialista em psicologia organizacional e governança corporativa.