Você deve ter notado o aumento considerável de pautas sobre saúde mental nas últimas semanas. Obviamente, isso ocorre em meio ao desenrolar de uma situação inesperada e cheia de percalços, que é a pandemia do coronavírus.
Ouvi muito sobre a oferta de terapia, cursos e outros produtos para ajudar as pessoas a lidarem com o isolamento social e com a mudança do modelo de trabalho. Vi também os jornais produzirem informações e dicas sobre como manter-se bem, criando hábitos que ajudem na manutenção da saúde como um todo.
É muito positivo ver a saúde mental se tornar um assunto. Espantoso é perceber o quanto a negligenciamos por acreditar que é um fator importante apenas quando as coisas vão mal.
Em minhas reuniões com líderes de negócio é costumeiro ouvir:
– Não precisam abordar o tema de saúde mental aqui na empresa, pois as pessoas não têm muitos problemas… Ou:
– Aqui sabemos separar o pessoal do profissional, então os problemas são mais pessoais mesmo. E até mesmo:
– Nunca aconteceu nada grave aqui, as pessoas são saudáveis.
Por isso, me sinto obrigado a lembrar que a saúde mental não é uma competência. Não é um curso ou uma palestra em que se adquire e desenvolve. E, muito menos, está associada apenas aos interesses, ações e comportamentos do indivíduo, mas também ao seu contexto mais amplo. Isto é importante, especialmente neste momento, para gestores que de alguma forma se familiarizaram com as frases que citei acima.
Mas o que é saúde mental?
A saúde mental, segundo a OMS, é “um estado de bem-estar no qual um indivíduo realiza suas próprias habilidades, pode lidar com as tensões normais da vida, pode trabalhar de forma produtiva e é capaz de fazer contribuições à sua comunidade”. Ou seja, é mais do que a ausência de transtornos mentais. É um estado cultivado na linha do tempo, a partir de um conjunto de hábitos, influenciado e determinado por fatores socioeconômicos, biológicos e ambientais ligados ao contexto de um indivíduo.
É natural que momentos como este demandem cuidados com a saúde mental, mas nada tão além do que já deveria fazer parte da nossa rotina em dias “normais”. Pensar assim, reforça a crença de que cuidar da saúde mental é coisa de gente doente, frágil e que se abala facilmente. Além disso, perpetua a cultura do líder poderoso e inabalável. Uma inverdade, além de um desserviço para a cultura, estratégias e resultados de qualquer negócio.
Portanto, ao refletir sobre ações que cuidem da saúde mental das pessoas neste momento, aproveite para iniciar também a criação de ambientes que permitam a adoção de novos estilos de vida. Porém, não pare após a crise passar. É justamente aprendendo a lidar com as tensões diárias e comuns da vida, que se cria musculatura emocional para os momentos de incerteza e volatilidade.
Veja, abaixo, algumas das ações que influenciam a criação de uma cultura de saúde mental sempre:
- Reforce a governança para a saúde mental, criando diretrizes de negócio e políticas internas que tornem esse um fator estratégico. Traga o tema para as reuniões, comitês e assembleias, e crie indicadores que revelem dados e permitam ações institucionais precisas e consistentes;
- Forneça serviços e assistência integrados de saúde, como plantões psicológicos, grupos de acolhimento coletivos e outras atividades, como yoga e meditação. Garanta que os benefícios de saúde estejam alinhados com estas premissas;
- Reforce o papel da liderança como agentes de promoção de saúde, criando comitês ou realizando reuniões sobre o tema. Aborde também a influência do líder e da cultura na saúde mental dos liderados;
- Crie o hábito e incentive a saúde, especialmente entre os líderes. É importante dar o exemplo, estimulando a adoção de hábitos saudáveis nos grupos influenciadores da companhia;
- Revise processos, premissas e valores para sustentar e reforçar saúde mental. Adote modelos inovadores, garantindo que as atividades operacionais reflitam as intenções institucionais;
- Fortaleça a produção de informação e evidências sobre o tema, educando as pessoas e normalizando o cuidado com a saúde mental. Estabelecendo novos modelos mentais e novos comportamentos.
Como tudo em um negócio, cultivar saúde mental também é uma questão de decisão em primeiro lugar. É preciso desenvolver um modelo mental que a valorize como parte da cultura e dos valores da empresa. Não apenas por uma visão humana, mas também por entender que a ausência dela tem impactos diretos na produtividade, eficiência e engajamento das pessoas.
Ações pontuais são de extrema importância e devem ser parte do arsenal do líder sempre. Porém, não se pode perder a visão do todo, simplificando a questão e dando soluções que mais empurram o problema para frente do que o resolvem de verdade. Ter uma empresa mentalmente saudável requer coragem e visão de longo prazo, características importantes para o líder de nosso tempo e que farão a diferença entre os que aproveitaram este momento para crescer e transformar suas organizações.
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Anderson Siqueira é CEO e fundador da Consense educação para as relações, especialista em psicologia organizacional e governança corporativa.