Já parou para pensar como seria se a sua equipe inovasse e aprendesse de forma mais constante? Quais seriam os impactos para os resultados? E para o cliente? Muitos, não é? E mesmo percebendo que, de maneira geral, sua equipe aprende ou inova com certa frequência, vale sempre pensar: isso é tudo? Ou mais ainda: é um traço cultural do meu negócio ou de algumas poucas pessoas?
Essa conversa não faria sentido se não estivéssemos num tempo em que tanto se fala sobre adaptação e flexibilidade, ou em um mundo onde a capacidade de compreender as sutis transformações e se adaptar a elas é a única maneira de se manter relevante. Gary Hamel, especialista em gestão, afirmou durante o World Business Forum em 2009: “o mundo está ficando mais turbulento do que as organizações se tornam adaptáveis”.
Assim, aprender e inovar se tornaram metas fundamentais para os negócios. E, dentre os inúmeros elementos necessários para que isso ocorra de maneira sustentável, um deles pode ser considerado um alicerce fundamental: a segurança psicológica ou segurança psicossocial, fator pouco conhecido, mas que vem ganhando espaço nas discussões sobre gestão e cultura organizacional.
O que é segurança psicológica
Pense em seu negócio e na quantidade de ações que já foram cuidadosamente planejadas e feitas, mas que por algum motivo, não funcionaram. Já vi muitos casos assim. Segundo alguns clientes, parece existir um inimigo invisível e incansável, minando as construções da companhia.
Logicamente, não estamos em algum filme da Marvel, mas a cultura é sim uma espécie de força invisível dentro da sua empresa. Esse conjunto de rituais, crenças, ditos, não ditos e práticas [explícitas e implícitas] fornece energia para que as coisas aconteçam ou não. E mesmo que você não esteja vendo, ela está lá e, silenciosamente derruba ou alavanca todas as iniciativas criadas. Não é à toa que Peter Drucker diz que a cultura come a estratégia no café da manhã.
Porém, das várias e diferentes nuances culturais que um negócio possui, um item se coloca em um lugar de destaque: a segurança psicossocial, também chamada de segurança psicológica. Ela pode ser entendida como a crença comum de que é permitido correr riscos interpessoais no ambiente de trabalho. De que se incentivam e valorizam comportamentos críticos e honestos, em vez dos políticos e inseguros.
O termo se tornou famoso após o Google descobrir, em um estudo chamado Aristóteles, que ela aparecia como elemento fundamental nos times de melhor performance da companhia. E no livro The Fearless Organization, Amy C. Edmondson discorre sobre os aspectos sistêmicos da Segurança Psicológica nas empresas. Em uma entrevista, também falo um pouco sobre o termo. Você pode ler aqui.
Tomemos como exemplo um ambiente de uma empresa de consultoria formada em sua maior parte por engenheiros, mas com atividades de diversas naturezas trabalhando juntas. Em um determinado momento, um engenheiro e um estagiário executam um trabalho de auditoria em um cliente. O estagiário percebe então um erro de análise do engenheiro. O que ele faz? Ele confronta o engenheiro sobre o erro, mesmo com a possibilidade de estar equivocado?
Cada um de nós já passou por uma situação parecida na carreira e, sem perceber, em um milésimo de segundo colocou na balança o que era mais seguro. Esta balança soma, além das crenças pessoais e experiências aprendidas, a cultura estabelecida na empresa. É mais seguro ficar em silêncio ou correr o risco de falar? Quais consequências podem acontecer caso minha colocação esteja, de fato, equivocada?
E este silêncio, elemento comum nas empresas, é responsável por minar muito do potencial de aprendizagem e inovação. Uma cultura que mais incentiva o silêncio, a omissão e a autodefesa, em vez do risco e do empenho naturais ao aprendizado genuíno e constante, naturalmente terá dificuldade em evoluir em um mundo cada vez mais volátil.
E não é só neste caso, veja outros exemplos:
Vendedores, que ao receberem a negativa de uma proposta justificada por conta de algum problema no produto. Existe espaço para discutir abertamente o produto? Os vendedores têm abertura para opinar sobre a qualidade dos produtos? A estrutura permite que essa discussão seja constante?
Pense em um operador de máquina em uma fábrica. Ele percebe uma maneira de organizar o processo de produção de forma diferente e assim aumentar a produtividade. Porém, a ideia surge a partir da experiência empírica adquirida, sem base conceitual. Existe espaço para que ele sugira isso ao engenheiro chefe? Ele será ouvido, caso fale?
Pense agora em uma equipe multidisciplinar de um hospital discutindo sobre um determinado procedimento. Existe espaço para que a enfermeira questione uma ação de um médico que acredita ser inadequada? É seguro para ela correr este risco, mesmo que tenha convicção de sua percepção?
Neste momento é possível que você pense que o problema está nos indivíduos. Pode pensar que o engenheiro é rude demais, a enfermeira tem um problema de timidez, o vendedor está tentando se justificar. Porém, a consideração profunda e complexa, encontrada na soma dos comportamentos individuais e em grupo nos leva a perceber como se trata de uma questão cultural e não isolada.
Uma pesquisa realizada pela Universidade de Virgínia ouviu mais de 230 pessoas em uma companhia de tecnologia e descobriu, por exemplo, que todas as pessoas descreveram momentos em que deixaram de contribuir, sugerir ou tiveram medo de opinar e discordar. Essa e outras pesquisas sugerem que até pessoas tidas como razoáveis decidem baseando-se em fatos nem sempre realísticos. O que mais uma vez, aponta para a cultura.
Peço ainda que reflita pessoalmente: quantas vezes você já deixou de participar efetivamente, contribuir ou criticar, pelo simples interesse de não criar problemas? E quantos destes problemas se mostraram reais e verdadeiros? O quanto dessas decisões está ligada ao ambiente e cultura de seu local de trabalho?
Entendi, mas o que contribui para estes cenários de insegurança psicossocial?
Considere o fato de que gerimos nossa imagem o tempo todo, seja medindo o impacto de nossas ações ou observando possíveis ameaças e alianças. No ambiente de trabalho, consideramos nesta conta os aspectos sociais, culturais e políticos, mas também carregamos de nossa vida pessoal crenças sobre o que é bom, ruim ou ameaçador.
Como dito acima, tudo isso forma uma espécie de balança do risco, que pode pender mais para o lado do medo, quando os riscos são maiores, ou para o lado da contribuição, quando são menores. Um cálculo que compõe nossa percepção interna sobre nós mesmos e nos ajuda a decidir se faremos perguntas, se correremos riscos, se daremos sugestões ou se participaremos efetivamente de uma colaboração. Mesmo novos contratados, embora tragam consigo as vivências em outras empresas e de suas vidas pessoais, logo passam a compreender quais são as regras do novo local de trabalho.
A problemática que fica aqui é: em um ambiente onde a balança pesa mais para o lado da sobrevivência não existe espaço para a evolução. Quando uma pessoa precisa gastar muita energia para preservar sua integridade, seja ela social, emocional ou física, sobra pouco para o questionamento, para a curiosidade e, consequentemente, para a aprendizagem e para a inovação. Tão necessárias para manter um negócio relevante.
É justamente por isso que se fala tanto em um inimigo invisível. Com o tempo, esse ciclo de baixa contribuição se torna um traço cultural, determinando quais são as regras de jogo de um ambiente de trabalho baseado na sobrevivência e no medo. Além disso, o tempo dificulta a nossa capacidade de perceber as consequências das ações tomadas. O imediatismo na busca por resultados acaba por incentivar ações com impacto de curto prazo, mas que se mostram mais nocivas do que efetivas no longo prazo.
Meu maior medo como CEO é que as pessoas não estejam dizendo a verdade.
Mark Costa, Eastman Chemical Company
É importante frisar que a intenção aqui é provocar uma reflexão de negócio, ou seja, construir ambientes com segurança psicológica e social não tem a ver apenas com estratégias de recursos humanos. O objetivo deve ser o de liberar todo o potencial da equipe, para que assim a mesma esteja voltada a compreender e responder adequadamente aos desafios da empresa.
Para tal é preciso compreender que o medo e a competição roubam nossa energia de processamento. Equipes com medo se protegem mais do que se importam com o trabalho. E eu acredito que é disso que nós, líderes, deveríamos ter mais medo: equipes que não se importam. A segurança psicológica é fundamental para o cultivo de um ambiente onde se pretende aprender e inovar de forma sustentável.
Reimaginar as organizações com base na honestidade e no respeito deve ser o propósito de empresas que desejam se manter relevantes em um mercado cada vez mais complexo e incerto, mas também mais crítico e consciente. Apenas desta maneira será possível receber integralmente o potencial que existe no trabalho das pessoas, comprometidas por perceberem humanidade em suas relações de trabalho.
Anderson Siqueira é CEO e fundador da Consense, especialista em psicologia organizacional e governança corporativa.