A maioria das descobertas revolucionárias e invenções notáveis ao longo da história têm algo em comum: são resultado da curiosidade. O impulso de buscar novas informações e experiências e explorar novas possibilidades é um atributo humano básico. A partir dela, somos imbatíveis na capacidade de criar, inventar e revolucionar.
Nas empresas, a curiosidade é tida como ingrediente fundamental para a criatividade e a inovação. Porém, algumas pesquisas demonstram que muito do pensamento curioso é sufocado pelo medo e a insegurança da gestão. Por que isso acontece? Quais são os comportamentos e fatores que sufocam a curiosidade nas empresas?
Contextualizando a curiosidade
A princípio, a palavra parece não combinar com o vocabulário corporativo. O termo, na maioria das vezes, não está listado entre as competências mais importantes para se desenvolver e também não aparece na relação de habilidade para o futuro das empresas. Porém, um olhar mais atento revela que a curiosidade é fator subjacente para a grande parte das competências e habilidades destas listas, como a criatividade, a inteligência cultural, a tomada de decisão e à colaboração.
Outro fator importante são os preconceitos ligados à curiosidade, como a associação à infantilidade ou à importunação. De fato, quando somos crianças e nossa visão de mundo ainda está sendo construída, normalmente exploramos nossa curiosidade ao máximo, seja através das brincadeiras cheias de imaginação, das explorações infinitas e da famosa “fase dos porquês”.
Ao chegarmos à vida adulta e ao mercado de trabalho, não percebemos que, embora com uma nova roupagem, a curiosidade pode (e deve) permanecer em nós e ser usada como uma arma poderosa na busca de soluções diferentes ou até inusitadas para os problemas que enfrentamos no dia a dia. Pelo contrário, sufocados por preconceitos como estes, tendemos a ver a divergência que a curiosidade pode causar como um problema e não um benefício.
Mas não é bem assim. Ter uma mentalidade curiosa pode levar times e equipes à resultados diferentes em tarefas cotidianas cheias de percalços, tais como:
- Melhora na tomada de decisão, pelo aumento da curiosidade na checagem dos dados e informações importantes para a decisão, bem como a diminuição do preconceito com relação aos elementos envolvidos;
- Mais flexibilidade diante dos diferentes cenários, já que a curiosidade abre espaço para o incerto e ambíguo de forma mais amigável;
- Diminuição de conflitos entre as pessoas, pois a curiosidade amplia a busca por autoconhecimento, bem como normaliza o conflito gerado pelos questionamentos;
- Melhora da comunicação e empatia entre as pessoas, já que implica uma consciência mais aberta para o compartilhamento de informações e também mais abertura para a escuta atenta;
- Combustível para à inovação, a partir do fato de que investigar, conhecer e explorar informações e tendências apoia o processo de inovação;
- Melhores experiências para os clientes internos e externos, considerando que o princípio básico das experiências é a profundidade do conhecimento adquirido sobre o cliente.
Acredito que qualquer líder, CEO ou colaborador poderia tirar proveito de uma lista de benefícios como esta. Para alcançar isso, antes, é preciso saber como a curiosidade se manifesta. Qual elemento concreto pode nos dar a percepção de que nossa equipe está sendo curiosa?
A gente já está chegando? 🙂
Pois é, uma das formas práticas de mensurar a curiosidade de uma equipe é observar sua abertura ao questionamento. Em ambientes maduros e curiosos, é comum que as lideranças criem espaços e momentos onde os colaboradores se sentem à vontade para questionar determinadas premissas. Além disso, estes líderes incentivam a curiosidade do time ao não dar respostas prontas quando a equipe está diante de um dilema. Questionar permite que percepção e raciocínio lógico sejam aguçados e, assim, expandidos.
Outro grande benefício do questionamento é permitir a análise de premissas estanques ou já assumidas como verdade. Veja o que conta a executiva, consultora e líder da Reboot Foundation, Helen Lee Bouygues, especializada em desenvolvimento do pensamento crítico em instituições:
“quando trabalho para transformar uma organização, começo a questionar os pressupostos da empresa. Certa vez, visitei dezenas de lojas de uma cadeia de varejo, fingindo ser uma consumidora. Logo descobri que a empresa havia pressuposto que seus clientes tinham muito mais renda disponível do que realmente possuíam. Essa crença errônea levou a empresa cobrar caro demais por suas roupas. Ela teria lucrado milhões a mais a cada ano se tivesse vendido camisas e calças a preços mais acessíveis.”
Permitir que a fase de tomada de decisão seja construída após uma rodada de questionamentos pode ser a diferença entre as respostas colhidas nos próximos anos.
Por que sim, Zequinha!
Você pode estar pensando agora: “mas eu abro espaço para minha equipe falar e ela não fala”, “será que é a equipe tem maturidade para sair questionando tudo?”. A autora e professora Francesca Gino realizou um estudo com mais de 3 mil funcionários de diferentes empresas e setores e descobriu que apenas 24% das pessoas se sentem continuamente curiosas em seus empregos e cerca de 70% afirmam enfrentar barreiras para fazer mais perguntas no trabalho.
Pois é, como falei no início, apesar dos benefícios, a curiosidade é sistematicamente abafada nos ambientes de trabalho. Naturalmente, recai sobre os líderes parte desta responsabilidade, e segundo o mesmo estudo de Francesca Gino, são dois os principais comportamentos das lideranças que comprometem a curiosidade:
- Mentalidade equivocada sobre a exploração. Muitos líderes acreditam que permitir que as pessoas sigam sua curiosidade levará a uma confusão custosa. Mais ainda, pensam que liberar as pessoas para seguirem sua curiosidade aumentará os conflitos e dificultará o controle da organização.
- Busca da eficiência em vez da exploração. Com o tempo de trabalho focado em resolver questões de dia a dia, a maioria das lideranças deixa de investir tempo em questionamentos e se dedica, sobretudo, a resolver os problemas do aqui e do agora. O foco se direciona para a eficiência de tal modo que questionar o padrão vigente é visto como ineficiência.
Além dos líderes, a cultura e a estrutura do negócio podem contribuir ou não para um ambiente que aproveite a curiosidade. Vejamos também dois outros sabotadores da curiosidade:
- É seguro questionar na minha empresa? Muitas empresas experimentam uma espécie de cultura do silêncio, onde não opinar, não perguntar, não questionar ou não sugerir é mais seguro do que fazê-lo.Resultado, muitas vezes, do uso do medo e do autoritarismo como instrumento de gestão, ou da falta de incentivos efetivos para a colaboração genuína. Nestes casos, é preciso cultivar a segurança psicológica necessária para a exploração.
Para saber mais sobre o que é segurança psicológica, acesse aqui.
- Estruturas que que sufocam a curiosidade. Em alguns casos, a distribuição de poder na organização concentra as decisões nas mãos de alguns e dificulta o processamento dos problemas organizacionais de forma saudável. Situação que sufoca a curiosidade por que organiza a empresa como um sistema protegido de novas informações. Para fugir disso, é preciso repensar a governança e as estruturas de gestão de forma alinhada.
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Como podemos ver, sempre haverá algum risco envolvido em ser curioso e buscar o caminho menos óbvio para dilemas com os quais lidamos diariamente. Mas este também é o caminho onde podemos extrair o melhor da capacidade de perspectiva de nossas equipes. E, num mundo complexo, ambíguo e incerto como o que vivemos ser curioso é fundamental para se munir de informações e dados essenciais aos processos de aprendizagem e inovação coletivas.
Digo isso pois a curiosidade e até a própria criatividade não são competências aristocráticas, reservadas apenas a algumas pessoas “especiais”, como muitos costumam pensar. A base destas competências está na percepção, ou seja, no modo de ver as coisas. Portanto, todas as pessoas, independente de seu perfil, podem contribuir para a criação ou melhoria de novas ideias dentro de um negócio.
Edwin Land, inventor da câmera Polaroid, obteve sua inspiração a partir do questionamento de sua filha, de apenas 3 anos. Pense o que sua empresa poderia ganhar se cada colaborador se tornasse mais curioso, se os líderes pudessem ver a curiosidade como uma das principais alavancas estratégicas para alcançar as metas e objetivos. Os questionamentos certos podem levar sua equipe para o próximo nível.
Anderson Siqueira é CEO e fundador da Consense, especialista em psicologia organizacional e governança corporativa. Camila Carvalho é jornalista e educadora na Consense, especialista em desenvolvimento humano e organizacional.