Agora que a vida social está aos poucos retomando seus rumos, tome um café com um empresário e lhe pergunte sobre a importância do cliente. Qualquer um deles lhe dirá [ou deveria dizer] que, por mais difíceis que possam ser, eles são um dos elos – se não o elo – mais fundamental do negócio. Afinal, sem cliente, não há vendas ou consumo. E sem estes, não há lucro, crescimento, futuro. Empresas podem ter diferentes estruturas, formações ou competências, mas sem o público que absorve o resultado de seu trabalho, a cadeia nunca está completa.
Mas, como você já sabe, querido leitor, frequentemente a vivência não é tão bonita quanto o discurso. Quando analisamos alguns processos, métodos de tomada de decisão ou analisamos a maneira como é feita a priorização de demandas e atividades, muitas empresas acabam por não consider o cliente como parte essencial ou, sequer, uma parte. Tratam-no como se já soubessem o que é melhor para ele [e ele que se ajuste].
“Camila, você está falando sério? Nunca vi uma empresa falar ou fazer isso abertamente”. Ok, mas você já presenciou mudanças de processos ou rotinas que nunca saem do papel porque darão trabalho demais para a equipe? Constantes reclamações do tipo: os clientes não sabem o que querem, mudam constantemente o projeto ou “não seguem nossos processos como deveriam? Já notou que muitas informações sensíveis coletadas no processo de vendas quase nunca chegam aos ouvidos de quem entrega o produto/ serviço?
Sintomas que denunciam uma causa raiz maior.
Da microempresa à multinacional, não ouvir o cliente é uma das maiores falhas que qualquer negócio pode cometer. Todo cliente, por definição, precisa resolver um problema e, quando faz uma contratação, acredita que a contratada poderá ajudá-lo nisso. Existe um anseio maior do que apenas adquirir algo. Sua busca é por soluções. De preferência, definitivas. E, para que um negócio entregue soluções, é preciso ir além da demanda.
Este é um dos principais desafios que enfrento no dia a dia na consultoria aqui da Consense: apresentar aos líderes e suas equipes [cheios de boas intenções] a realidade de que estão levando seus negócios aquém do possível, simplesmente por não ouvir seus clientes (e, na maioria das vezes, não admitirem isso). No processo de apoiá-los a equalizar o ouvido corporativo, normalmente me deparo com dois cenários tóxicos:
Meu cliente é um mau necessário
Para alguns, o cliente é apenas uma fonte de renda, alguém que paga as contas e proporciona salários, posicionado na camada inferior do ciclo. Assim, pouco se leva em consideração suas expectativas e necessidades escondidas atrás das demandas. Em muitos dos diagnósticos e entregas que fiz em ambientes baseados nesta crença um dos sintomas comuns era ouvir repetidamente a frase: “tudo o que meus clientes buscam/querem é preço”, (assim não é preciso investigar nada além disso).
Neste tipo de ambiente, não existe interesse em considerar as particularidades de cada cliente ou a imprescindibilidade de criar experiências a cada ponto de contato. Por este motivo, quando um cliente não tem certeza ou toda a clareza sobre o que procura ou quando aciona de maneira recorrente e inesperada a equipe comercial, acaba que uma das costumeiras respostas do time é demonstrar-se pouco receptivo, indisposto ou até impaciente.
Em tempo, vale destacar que essa visão escassa traz consequências perigosas, pois preço e prazo se apresentam como itens voláteis dentro da fidelização. Sozinhos, não conseguem segurar clientes diante da promoção relâmpago do concorrente. As chances de retrabalho aumentam assustadoramente, a desconexão e competitividade entre áreas se intensifica na busca por tirar o coelho da cartola e cumprir promessas feitas para manter o cliente por perto.
Meu cliente é uma divindade
Mas há problemas no outro extremo também. Nas empresas cujo cliente é o único alvo, onde ele pode tudo e dita todas as regras. Nestes ambientes, dizer não para o cliente é o mais grave dos pecados. O curioso é que, mesmo assim, estas empresas não se preocupam em entender seu cliente profundamente. Afinal, toda divindade, por definição, carrega em si uma aura de ministério. Mais do que entendida, ela precisa ser obedecida.
Nestas empresas, o sintoma mais comum funciona com uma resposta padrão: “cada um dos meus clientes tem particularidades, não é possível criar uniformidade”, uma desculpa que recorre em desorganização institucional travestida de necessidade de atender da melhor forma possível. Por conta disso, pouco se investe em definir processos. E quando eles existem, não são seguidos, pois quando o cliente demanda, todos “param” para atendê-lo.
Cliente divindade geram equipes com altos graus de estresse, jornadas de trabalho excessivas e desnorteadas quanto aos caminhos profissionais que de fato promovem entregas de excelência. Não entenda mal: deve ser anseio de qualquer empresa atender seu cliente usando tapete vermelho. Porém, a relação de confiança ideal, que gera verdadeira fidelização, passa por uma jornada que vai além do eterno sim.
Neste material falamos mais sobre os estágios de maturidade de negócios e sobre a necessidade de se viver a fase dos processos e organização. Clique aqui para acessar.
Mas o que é o cliente, afinal?
Então, qual é a posição ideal para o cliente? Eu diria: ser visto como um parceiro de negócio, alguém que não está nem acima, nem abaixo, mas ao lado. Assim, é fundamental entendê-lo, assim como o seu contexto. Conhecê-lo profundamente garante que, ao longo do processo, possamos surpreendê-lo além de suas expectativas. E somando isso à consistência de uma entrega de qualidade contínua, o caminho para a cumplicidade de longo prazo está pavimentado.
Um ponto que demonstra esta visão de parceira é a implementação de um movimento educacional na jornada do cliente. Para exemplificar, trago à mente alguns de nossos clientes que entenderam o quanto é importante desenvolver em seus processos de atendimento pontos de aprendizado como onboardings, kickoffs, reuniões de discussão e alinhamentos periódicos. Resultados de um olhar protagonista, que assumem a responsabilidade de dar diretrizes sólidas (inclusive restritivas, quando necessário) para o bom andamento e crescimento de ambos os lados.
Além de parceiro, o cliente precisa ser visto como um cocriador. Empresas maduras percebem que a contribuição se torna uma via de mão dupla: enquanto o cliente usufrui dos produtos e serviços, suas ações, reações e feedbacks, tornam-se insumos para aprimorar a jornada de atendimento. De forma direta ou indireta, intencional ou ocasional, o cliente sempre trará sua percepção a respeito do que falta ou sobra.
Mais ainda, o cliente faz parte da solução que deseja para sua demanda. Ele não está fora, isolado e apartado. Entender que ele faz parte da solução, do meu processo, pode ser fundamental para amadurecer a maneira como planejamos o processo de atendimento. E, além disso, ajuda a entender o tipo de competência, habilidade e investimento preciso fazer para conquistar essa relação de parceria e cocriação com meu cliente.
Leia um outro artigo nosso sobre como o engajamento da equipe afeta a qualidade do atendimento ao cliente, pode ser interessante para sua leitura. Clique aqui.
Por tudo isso, fica clara qual é a lição de casa, não é? Abra espaço em sua agenda, em seus processos e rotinas para ouvir e documentar o que seu cliente tem a dizer, mesmo que não de forma tão óbvia ou pragmática, invista tempo estudando os feedbacks e as percepções oriundas de quem usufrui de seu negócio, de quem é beneficiado pela sua missão. Afinal, ouvir o cliente, mas não agir de acordo com o que se ouviu é tão nocivo quanto não ouvir.
Camila Carvalho é jornalista, especializada em gestão, cultura organizacional e liderança 4.0 e entusiasta da educação corporativa.