Já no século XVII, John Donne dizia que “nenhum homem é uma ilha”. E a cada ano, a premissa parece mais e mais tangível. Em um período como o que atravessamos, sentimos falta de estar com as pessoas mais do que nunca. Tem gente que pagaria um bom valor para ter novamente a chance de ter o famoso tempo do cafezinho no escritório, fazer um brainstorming raiz – daqueles cheios de post-its nas paredes, rabiscar no quadro –, poder criar algo sem ter de passar horas e horas em reuniões via vídeo conferência. O mundo mudou e a colaboração, que já estava em transformação acelerada, se reinventou de novo.
Sabemos que isso não é de todo ruim. Por um lado, nossa capacidade de trabalhar com times mais diversos aumentou consideravelmente. As diferenças passaram a ser mais celebradas no trabalho. Cocriar um projeto com alguém de outra cidade não passa mais por decisões de budget de logística. Como força de trabalho, estamos mais cientes de que é mais assertivo entregar resultados em equipe.
Porém, ao mesmo tempo que aprendemos que precisamos do conhecimento e do olhar dos outros, parece que ficou mais difícil ter a empatia e a paciência de ouvir e passar pelo processo “esforçoso” de transformar duas ou mais ideias em algo novo a partir da troca. (Talvez seja só eu… se não for o seu caso, meu amigo, fica o meu desabafo).
E aí, no meio desse conflito de diferentes pensamentos e sentimentos que nos ocupam, o autoconhecimento entra em campo. E ele é o que, na língua inglesa se chamaria game changer: aquilo que pode fazer a diferença entre perder e ganhar. Quando já aprendemos a extrair o melhor de nós mesmos podemos virar o jogo para melhor, ou, pelo menos, temos boas vantagens. Entretanto, quando não temos acesso contínuo a esta riqueza de aprendizados, seja por falta de interesse, oportunidade ou ferramentas, o contexto se torna, definitivamente, mais delicado e arriscado. Para ganhar o jogo, o esforço terá de ser maior.
Para mim, esta falta nos atinge em dois aspectos distintos, porém, igualmente nocivos. E ao longo do tempo, não existe outra palavra que consiga exemplificar melhor o que vai acontecendo nos ambientes colaborativos: sabotagem. De dentro para fora, sutilmente, o conjunto vai perdendo a força, a habilidade de ser maior que apenas a soma de seus membros. Explico melhor:
Sabotagem momentânea da colaboração
Este é o primeiro nível que o pouco autoconhecimento toca: o momento presente da colaboração. A hora da reunião, a troca de e-mails para lapidar uma ideia, a análise de um erro junto ao cliente. Reunir um grupo de pessoas com baixo conhecimento sobre si próprias é como jogar dados: dificilmente sabemos qual será o resultado final.
Tudo se torna volátil e condicional às circunstâncias. Será que o gerente está bom de humor? E a diretora? O especialista explode fácil caso se sinta pressionado com perguntas; O analista costuma terceirizar a responsabilidade de seus erros para os demais. E a chance de uma boa colaboração escorre pelo dedos mesmo antes que a reunião comece, vítima inevitável da sabotagem.
Então a dica número #1 é: se conheça o suficiente para trazer à consciência como você está no momento presente. Cansado? Frustrado? Com dificuldades de se concentrar por problemas que estão fora daquele contexto? Analise você mesmo e, se possível, verbalize a realidade para as pessoas com quem vai colaborar.
Faça o possível para trazer o seu melhor eu para os momentos de colaboração e assuma a responsabilidade de informar as pessoas ao seu redor que aquele talvez não seja o seu melhor momento, mas está comprometido a fazer o melhor que puder. A colaboração floresce com facilidade em um ambiente convidativo a exposição aberta e ao “confronto de ideias”. O baixo autoconhecimento incentiva o confronto entre pessoas.
Um plus nessa dica: Muitas pessoas colhem bons resultados abrindo um espaço para que as pessoas compartilhem a resposta para a pergunta: Como estou chegando? – logo no início de um processo de colaboração.
Já escrevemos bastante sobre colaboração. Caso queira conhecer outros artigos sobre o tema, clique aqui.
Sabotagem sistêmica
Aqui na Consense, costumamos dizer que os comportamentos expressos em atividades de projetos tendem a refletir os comportamentos do dia a dia no trabalho. Por exemplo: se, durante uma dinâmica que oferece desafios a equipe participante acaba sempre escolhendo as respostas mais fáceis, é possível afirmar que no dia a dia ela tende a reproduzir esse mesmo comportamento.
O mesmo acontece com a colaboração.
Os times que têm dificuldade de colaborar em reuniões, em geral, refletem dinâmicas e padrões organizacionais. É comum recebermos a reclamação de que as pessoas não contribuem adequadamente em processos colaborativos, mas pouco se percebe que, fora da sala de reuniões, o que se vê é um ambiente nocivo, com competições desnecessárias, baixo engajamento, insegurança psicológica, territorialismo, favoritismos entre outros.
E quem perde com tudo isso? A empresa. O cliente. O mercado e, naturalmente, a própria equipe, que perde a chance de se desafiar e crescer, profissional e pessoalmente. O negócio, que pode não estar perdendo, mas com certeza deixa de ganhar.
Por isso, reflita, com atenção e carinho: seus gatilhos emocionais, sociais e até psicológicos estão te impedindo de dar a melhor contribuição? É fundamental se perceber na interação com outros colegas, pares, líderes e áreas. Quais crenças tem determinado e ditado o ritmo dessas relações? Será que, no fundo, você acredita que faz um trabalho melhor sozinho ou que os demais são pessoas a serem constantemente superadas? Seu cliente é um bolso ou um parceiro?
Todas essas respostas transbordam de nós em nossas falas, necessidades e atividades e isso acontece quer desejemos, quer não. Então, o melhor que podemos fazer é conhecê-las e, assim, gerenciá-las da melhor forma que nos for permitido.
O autoconhecimento nunca será uma jornada em vão. Seus benefícios são sistêmicos e vão muito além do simples bem-estar pessoal, assim como o malefício da sua ausência. Meu desejo ao final deste texto é que você esteja inspirado a gastar tempo consigo mesmo e, a partir daí, permitir que seu mundo de ideias colida com os mundos fora de você trazendo boas recompensas.
Nesse link você pode assistir à gravação de um webinar que nosso fundador, Anderson Siqueira, conduziu.
Camila Carvalho é jornalista e especialista em educação corporativa. Atua como educadora em temas como experiência do cliente, cultura e desenvolvimento organizacional, possui experiência na construção de processos organizacionais de alta performance e em sistemas de tomada de decisão alinhados e participativos.