Cozinhar é uma terapia, um momento de satisfação para muita gente. Somos parte de uma cultura muito festeira e, por este e outros motivos, a comida tem um significado muito importante e belo. Meu objetivo neste texto não é, para a tristeza de muitos, revelar algum truque culinário ou falar daquele crumble de frutas que aprendi, mas sobre algo que estrutura e baliza o maravilhoso ato de fazer arte para o paladar: a receita.
Durante uma conversa descontraída estes dias, ouvi sobre conduzir o nosso trabalho como se estivéssemos seguindo uma receita. Achei pertinente e resolvi abordar isso aqui. Quando mencionei a decepção de alguns sobre o truque culinário, falei exatamente sobre a crença que estes têm de que ao se conhecer estas “fórmulas mágicas”, tornarão sua comida impecável. Entretanto, percebo que o segredo não está ai…
Uma receita diz o necessário para tornar aquele prato real, diz as quantidades adequadas, diz sobre as etapas a serem seguidas etc. Porém, ao usar uma receita, temos um insight que permite aquela pitada maior de sal, aquele “hmm será que se eu botar essa pimenta aqui funciona?” A criatividade está conduzida, claro, por um jeitão, mas não é enclausurada, sufocada. No caso de uma fórmula, apesar de haver uma relação, percebe-se um bloqueio das possibilidades, pois aquilo foi “estabelecido” daquele jeito, se fugir daquilo, não dará certo.
Chegamos assim a um ponto em que, de fato, trabalhar é como fazer uma boa comida. Para isso, são necessários bons ingredientes, uma boa receita e, claro, uma boa e generosa pitada de criatividade. Nossos ingredientes para o dia-a-dia estão em nossas formações, nossa preparação profissional e comportamental que ficarão à prova na experiência do nosso cliente. Imagine que ao entregarmos um bom trabalho, estamos permitindo que o outro prove daquilo que preparamos.
Já a boa receita é o “jeito ‘eu’ de fazer”, construído a partir de muitas vivências, experiências e aprendizados. Ela tem um papel fundamental na definição do terceiro item, a criatividade, pois se estivermos usando fórmulas para viver tal experiência, não sobrará espaço para criar e inovar na receita. O arroz terá sempre o mesmo gosto, o macarrão não será tão marcante assim… Nosso diferencial está em encontrar a receita que libere espaço para tudo isso.
O fato é que o paradoxo de seguir a receita com liberdade de fazer diferente agrega valor ao produto final e possibilita viver um propósito muito diferente. Quantas vezes, na tentativa de seguir uma fórmula, perdemos a percepção ao nosso redor, ficamos tão enclausurados nos “ml” e “kg” que esquecemos das gargalhadas na sala à nossa espera. Convido você a observar suas receitas, pois fórmulas tiram o significado da vida e arrancam nossa possibilidade de viver com mais vida. Que tal um pouco mais de sal?
Anderson Siqueira