Certa vez, chegando de viagem na rodoviária do Rio de Janeiro, fui tomar um café com leite num daqueles lugares que tem por ali. Ao pedir que ele fosse feito um pouco mais claro, ouvi da atendente um sonoro: “vamos ver se a máquina vai fazer assim, se fizer, sorte sua!”.
Hoje, a risada é o único caminho para essa situação, claro. Ao olhar mais fundo, porém, percebemos como essa situação revela a precariedade dos atendimentos cotidianos e a negligência das empresas aos diversos fatores, não apenas empresariais, que criam situações como estas.
Em 13 de março, se comemora o Dia Mundial do Consumidor, e um pouco diferente do Dia do Cliente (comemoração de origem brasileira), ela nos lembra mais sobre direitos e conquistas importantes na relação entre empresa e cliente, do que sobre a qualidade da relação comercial entre os dois.
Poucos devem saber, mas a data foi instituída em 1962 nos EUA como forma de proteger os consumidores americanos. Segundo o então presidente John Kennedy, o objetivo da lei era assegurar aos consumidores o direito à segurança, à informação, à escolha e a ser ouvido. Em 1985, as Nações Unidas decidiram legitimar a ação de Kennedy transformando o dia 13 de março em dia Mundial do Consumidor.
O objetivo da lei era assegurar aos consumidores o direito à segurança, à informação, à escolha e a ser ouvido.
Agora, fica a pergunta: qual tem sido o nosso engajamento em assegurar de forma apropriada os direitos dos nossos consumidores? Pergunto não apenas aos grandes varejistas, bancos e empresas de telefonia móvel, mas ao universo da pequena e média empresa, em qualquer natureza de comercialização: qual a quantidade e a profundidade das discussões a respeito do básico, do mínimo relacionado ao direito do consumidor?
É comum se falar em experiência do cliente e em jornadas que o encantem. Todos os dias, inclusive, somos procurados por empresas que buscam atualizar a salada de jargões sobre a melhor forma de atender e entregar os serviços. Entretanto, ao se colocar um olho mais atento, encontramos indícios das mais diversas precariedades, do descaso por falta de conhecimento e de violência intencional, que nem sempre é física.
Apesar de ser mais comum reconhecer situações como estas no comércio comum, das lojinhas e padarias, não é surpresa que nas transações entre empresas também exista negligência. Afinal de contas, mesmo representando um CNPJ, as relações e processos continuam sendo exercidas por pessoas. E é aqui que mora o cerne desta discussão, pois não se pode falar em experiência de cliente, sem antes humanizá-lo.
E atenção: isso não é um jargão de área médica, pois de fato, as terminologias “consumidor” e “cliente”, muitas das vezes, retiram o caráter humano dos agentes destes processos. E o mesmo acontece com “compras”, “fornecedor”, “vendedor” etc. No final das contas, quando se resgata o propósito das diretrizes do Dia do Consumidor, se resgata também a humanidade daquele que, ao se envolver em um processo mercantil, pode, por intenção ou negligência, ser tratado como objeto. Não coincidentemente, a maior parte das reclamações com relação ao atendimento dos Call Centers, numa pesquisa feita pela TNS InterScience, está com esperas mal administradas e dificuldades de contato com o atendente. Leia mais sobre a pesquisa, aqui.
Mesmo representando um CNPJ, as relações e processos continuam sendo exercidas por pessoas.
Sendo assim, se você pensou em celebrar o dia do consumir enviando aquele típico e-mail falando sobre laços e compromisso em atender com qualidade, pense: isso não é nada se, na prática, suas discussões sobre o cliente mal ocuparem a pauta de uma reunião de lideranças. Se, alheio ao momento histórico que vivemos, não existirem discussões sobre o impacto das rotinas de trabalho excessivas, dos péssimos salários e da ausência de iniciativas de educação adequadas para os empregados, especialmente os da ponta, que operacionalizam diariamente os mais diversos sonhos empreendedores.
A minha perspectiva lá na rodoviária do Rio destacou não apenas a ausência de polidez num atendimento cotidiano, mas toda uma estrutura precária de treinamento, seleção, cuidado e afeto. Um sistema complexo, social e empresarial, que desumaniza muitas das relações e, infelizmente, produz mais desesperança do que realização. Organizando-se mais em torno de discursos do que de ações. Mas, que, de outro ponto de vista pode revelar que oferecer um serviço ou um produto para alguém tem potencial para transformar vidas e toda a sociedade.
Anderson Siqueira é CEO e fundador da Consense educação para as relações, especialista em psicologia organizacional e governança corporativa.