O primeiro feedback que recebi em minha vida aconteceu quando eu ainda era estagiário [faz tempo, eu sei]. Na época, fui alertado pela minha liderança que meu interesse exagerado por contribuir durante as reuniões acabava por gerar efeitos negativos como interrupções desnecessárias e monopolização. Era uma verdade, eu ficava muito empolgado quando tinha uma ideia, imaturo que era, precisava falar.
Será que foi um bom feedback? É isso que podemos chamar de feedback?
Todos sabemos como os feedbacks são incompreendidos pela liderança. Em minha experiência como consultor, já vi de tudo. Em alguns casos, os líderes acham ser algo muito simples e acabam encarando a conversa de forma mecânica e sem profundidade. Em outros casos, os líderes ficam desesperados e com medo de se sentar diante de seus liderados para conversar.
O fato é que teorias e técnicas sobre o assunto não faltam. O desafio é encontrar um caminho que torne real a promessa de que os feedbacks podem melhorar o desempenho das pessoas, e com ele, os resultados. Isso exige não apenas a adoção de uma receita ou roteiro para realizar suas reuniões, mas uma reflexão importante sobre o que eles são de verdade e sobre os mitos que impedem até as boas técnicas de funcionar.
Separei, a partir das minhas pesquisas e experiências, três mitos fundamentais sobre o feedback. Espero que essas reflexões te ajudem a destravar de vez suas conversas individuais sobre desempenho.
O mito da verdade
Partimos do princípio de que nossa opinião sobre o outro consegue partir de uma percepção verdadeira e objetiva sobre ele e sobre o que estamos avaliando. Como se fosse possível saber mais sobre o outro do que ele mesmo ou garantir um entendimento universal sobre determinada competência ou comportamento. E, mesmo que bem-intencionados, esquecemos que nossas percepções são apenas nossas percepções, não são fatos.
Nossas avaliações são profundamente influenciadas por nossa própria compreensão sobre o que estamos avaliando nos outros, por nosso senso sobre o que é ser bom em determinada competência, por nosso jeito de avaliar e por nossos próprios preconceitos inerentes e inconscientes.
Tome como exemplo a pro atividade. O que é isso? Quais são os comportamentos expressos por alguém proativo? Quais suas experiências pessoais formam o que você entende por pro atividade? Imagine agora, que todos os líderes de sua companhia estejam observando rastros e poeiras de comportamentos de seus liderados e usando essas percepções carregadas de si próprios para avaliar se essas pessoas são ou não proativas. E, considere ainda, que cada uma dessas pessoas tem total domínio sobre sua própria experiência com essa competência, além de suas percepções sobre o que ela significa.
É por isso que tomar como verdade aquilo que observamos no o outro é um mito que atrapalha o bom feedback. Inúmeros são os estudos que demonstram a nossa incapacidade, biológica e psicológica, de realmente estar no lugar do outro e de ter a compreensão completa de suas intenções, emoções e experiências. E mais ainda, sem uma visão universal sobre a competência a ser avaliada, o feedback se torna mais confuso do que facilitador.
Desta forma, podemos entender então que feedbacks baseados nesse mito são sempre mais sobre nós do que sobre o outro. E é por isso que, apesar de todo o treinamento disponível sobre como conduzir e receber feedbacks, ele continua sendo um trabalho tão difícil: os destinatários precisam sempre lutar em busca de algo que eles reconheçam sobre eles próprios no mar de nossas falas.
Imagine-se em um pronto socorro com alguma dor no corpo. O médico olha para você e pergunta: De 0 a 10, quanto está doendo? – Você acredita que sua resposta numérica seja suficiente para que o médico possa compreender asua dor? Ou se trata apenas de um sinal sobre o que sua dor é para você? E só para provocar mais um pouco: o que é uma “dor nível 7” para você? E para o médico?
Pois é, já deu pra perceber que essa pergunta não é suficiente para levar a verdade sobre sua dor ao médico. E assim como seu médico não sabe a verdade sobre a sua dor, não sabemos a verdade sobre nossos colegas de trabalho, pelo menos não de forma objetiva. O máximo que recebemos são indícios, sinais e dicas.
Sendo assim, o melhor que podemos oferecer aos outros, especialmente em temas subjetivos do cotidiano do trabalho, são percepções, reações e opiniões. E elas devem ser apresentadas como tais e não como fatos.Podemos dizer que fulano é persuasivo para nós, mas não que ele é persuasivo; que a voz dele nos irrita, mas não que a voz dele é irritante. Essassão as nossas verdades, não as dele.
O mito do aprendizado
Partimos do princípio de que o aprendizado acontece de forma cumulativa e padronizada. Como encher uma caixa de coisas novas. Por isso, a partir dos erros que vemos no trabalho da equipe, oferecemos as informações “que estão faltando” para completar o trabalho adequadamente e encher a caixa do outro com novos conhecimentos. Esse é, inclusive, um dos benefícios mais difundidos sobre o feedback: uma ferramenta de aprendizagem.
Tome como exemplo uma pessoa escrevendo um texto. Após entregar o texto para você validar, você sinaliza os erros – gramaticais ou de sentido – e senta com ela para informar os equívocos. Não há pegadinhas aqui, a ação é feita na melhor das intenções. Neste caso, a intenção é que ela aprenda, com os novos inputs, a escrever adequadamente.
O problema, no entanto, está no fato de que não aprendemos acumulando ou preenchendo espaços com novas informações, mas reforçando conexões já importantes de nossos sistemas. Além disso, os avanços da neurociência mostram que o aprendizado só acontece em um estado adequado de segurança psicológica. Ou seja,emambientes inseguros [aqueles baseados no medo] gastamos mais energia nos protegendo do que aprendendo. O foco se torna sobreviver e não há espaço para a entrega que o aprendizado demanda.
O professor de neurociência da Universidade de Nova York, Joseph LeDoux, descreveu em uma entrevista que o aprendizado é “mais como novos ramos em um galho do que novos galhos”, ou seja, se parece mais com uma construção de um prédio, realizada aos poucos, andar por andar, ampliando uma estrutura já própria e única. Especialmente, em trabalhos complexos como os que realizamos hoje em dia.
Podemos então concluir duas coisas aqui. A primeira é que oferecer informações sobre o que está errado em determinada tarefa não ajuda a acelerar o aprendizado daquela pessoa nesta tarefa. Neste caso, o ideal é inspirar o outro a entender seus próprios padrões de habilidade e ir reforçando e apoiando o desenvolvimento do que está correto. O erro será então parte do processo de aprendizagem dele.
A segunda questão é que uma equipe com pouca confiança e com altos níveis de medo interpessoal tem suas chances de aprendizagem eliminadas, justamente por estarem em estado de alerta, em vez de um estado de fluxo. E é comum que equipes assim costumem deturpar o papel do erro no processo de aprendizagem. Em vez de enxergá-lo como parte do processo arriscado de testar e aprender, o enxergam como uma anomalia.
Se você quiser ler mais sobre segurança psicológica, separei um conjunto de artigos nossos sobre o tema neste link aqui.
O mito da excelência
Partimos do princípio de que a excelência é algo que deve ser definido, padronizado e colocado como alvo para que as pessoas a alcancem. Na boa intenção de otimizar e tornar o trabalho eficiente, seguimos então comparando a performance das pessoas com base nesses pressupostos sobre como a excelência deveria acontecer. Avaliando os desvios de conduta e buscando formas de resolver as anomalias.
Tome como exemplo um time de vendedores, todos com excelentes resultados e exercendo o mesmo trabalho. Observe que mesmo alcançando os mesmos resultados, cada vendedor tem padrões muito particulares e únicos de alcançar a excelência. Observe ainda um grupo de jogadores de futebol: é possível encontrar padrões de musculatura e técnica, mas até mesmo os jogadores de mesma posição e equipe, tendem a alcançar seus resultados de formas completamente distintas.
Estes exemplos colocam em xeque uma lógica bem tradicional sobre a excelência e a qualidade: A lógica de que é mais fácil definir um alvo ideal de excelência e conduzir as pessoas a se adequarem e o alcançarem. O problema é que no mundo em que vivemos hoje, esse se tornou o caminho mais difícil, além de contrário à nossa natureza. Pois limita o potencial dos indivíduos e desestimula desempenhos realmente excelentes.
É preciso entender que a excelência é idiossincrática, ou seja, está ligada à maneira como cada um de nós fazemos o que fazemos. Funciona como uma expressão natural, fluída e inteligente do nosso melhor possível e nunca o contrário do erro. Ela pode até ser cultivada e incentivada, mas não forçada. Sendo assim, oferecer um feedback baseado numa versão pré-fabricada da excelência, vai gerar mais frustração do que aprendizado. O mais adequado, portanto, é investir energia no desenvolvimento do potencial que cada indivíduo tem de alcançar o seu mais alto grau de excelência.
Para evitar esse mito é preciso rever o significado do erro dentro da empresa e, mais ainda, incentivar a busca individual pela excelência. Como líder, o seu papel será o de acompanhar e facilitar esse processo. Oferecer, quando possível, suas experiências, seus aprendizados e sua companhia. E, naturalmente, o coletivo destas jornadas bem-sucedidas afetará o resultado global do time.
Neste texto, falamos mais sobre como o comprometimento da equipe acontece. Vale a pena conferir como os mitos deste artigo se conectam com o terreno fértil do comprometimento da equipe.
E agora que chegamos ao fim, vou compartilhar o desfecho do exemplo que dei sobre meu primeiro feedback, no início do texto. Minha pouca maturidade como estagiário me fez eliminar, juntamente com minhas interrupções e monopolizações, as minhas ideias e sugestões. Ou seja, o feedback cumpriu seu papel de eliminar o desvio do padrão esperado no comportamento em reuniões, mas falhou, pelo mito da verdade, do aprendizado e da excelência, em gerar uma evolução que me tornasse mais autônomo e maduro profissionalmente.
Fica aqui o meu abraço!
Anderson Siqueira é fundador da Consense educação para as relações, especialista em desenvolvimento humano e organizacional e governança corporativa.