Este é um texto para líderes e será melhor aproveitado por aqueles que exercem papel de comando, seja de áreas, unidades ou empresas. É claro que com isso não desejo deixar ninguém de fora, mas é mais fácil direcionar o assunto de cultura organizacional quando sabemos para quem ou com quem estamos falando, certo?
Em pleno 2021, acredito ser difícil você não ter entrado em contato com algumas ou muitas das ideias e ferramentas da administração contemporânea. Foco na colaboração, vivência plena do propósito, posicionamento diante dos problemas socioambientais, consumo como exercício de cidadania e visão de mundo, cliente no centro e tantas outras. Todas boas. Todas necessárias.
Na busca por respostas diante da realidade que vivemos [gestão 4.0, sociedade 5.0, era da complexidade, escolha o nome que mais lhe chamar a atenção], chegamos ao entendimento comum de que adentrar num caminho de prosperidade e crescimento não tem necessariamente a ver com dinheiro, tecnologia ou as melhores técnicas: é o resgate da humanidade, da criatividade e da conexão relacional que tornará os negócios longevos e sustentáveis.
Talvez uma das mais conhecidas representações deste movimento está em uma frase declarada por Peter Durcker há mais de 20 anos: “a cultura come a estratégia no café da manhã”. Icônica, não? E altamente difundida. Uma rápida pesquisa no Google fará surgir páginas e mais páginas de artigos, vídeos e livros aprofundando o assunto. Por que é verdade: se pensarmos a estratégia como uma semente, a cultura é o solo. Não importa quantas delas sejam minuciosamente plantadas e geradas, o solo que não possui a mistura certa de nutrientes irá matá-las.
E assim, nos aventuramos em avaliar a cultura organizacional que temos, que vivemos, que queremos ou a que melhor beneficiaria a visão de futuro e o propósito que buscamos. Investimos em pesquisas de clima, diagnósticos, implantação de novos modelos e ferramentas. Estamos dispostos a permitir que a empresa passe pela profunda e longa – segundo especialistas, a média do processo de transformação cultural para grandes empresas é de, no mínimo, três anos – jornada de chegar ao outro lado. Ainda assim, é comum nos depararmos com líderes que não conseguem entender por que tantas iniciativas nesse sentido, cheias de boas intenções, acabam não indo para frente ou entregando menos resultados que poderiam.
Se a cultura come a estratégia no café, pois é maior que ela, o que seria maior do que a cultura organizacional?
O Mindset. Ou, trazendo para nossa linguagem tupiniquim, a configuração de mente.
Sim, você entendeu bem. Estou dizendo que, como principal líder ou parte do principal corpo diretivo de um negócio, o seu conjunto de crenças pode promover, despromover e até deturpar a cultura desejada.
Como entender isso? Vamos aprofundar, brevemente, os dois principais conceitos que usei na frase acima: conjunto de crenças e liderança.
Seu modelo mental e a cultura organizacional
Nos idos tempos da faculdade de jornalismo, algo que discutíamos muito em sala de aula era a questão da imparcialidade. Como profissionais da comunicação, era completamente justificável desejar chegar a esse patamar e assim garantir matérias que não fossem tendenciosas ou manipuladoras. Mas, o que aprendemos logo no primeiro ano foi que nenhum ser humano consegue ser 100% imparcial.
Assim como o guarda-chuva cria um círculo de proteção ao redor de quem o usa, somos formados pelas crenças que vivem em nossas mentes e corações. É inerente ao ser humano olhar a vida de acordo com as lentes que todas as suas experiências, personalidade e escolhas construíram. O perigo é não se dar conta disso ou não conhecer do que essas lentes são feitas.
Como líder, você precisa conhecer quais são as crenças que de fato movem suas decisões diárias e como elas se conectam (ou não) com o que é difundido como valor do negócio. Será que você busca a cultura de inovação, mas em suas rotinas diárias tende a ser teimoso(a) ao não se abrir para novas possibilidades e lida mal com erros que acontecem a sua volta? Será que acredita realmente que sua empresa precisa ter um propósito ou apenas entendeu que esta é a nova “moda” e quem não tiver vai ficar de fora? Será que as práticas de processos mais colaborativos se aplicam apenas a quem está debaixo do seu comando e não a você mesmo(a)?
É preciso coragem, mas um olhar mais profundo em suas próprias condutas pode fazer com que perceba que as palavras bonitas nos sites, paredes e assinaturas de e-mail não equivalem à maneira como você toma suas decisões na prática. Carol Dweck, em seu famoso livro “Mindset, a nova psicologia do sucesso”, afirma: “Podemos ter ou não consciência dessas crenças, mas elas têm forte influência sobre aquilo que desejamos e sobre nossas chances de consegui-lo.”
Este é um convite para refletir
Sendo líder, você emana suas próprias lentes a cada decisão tomada, negada ou postergada, pois liderança é influência. Você está no centro, na nascente das condutas que irão cascatear em todas as áreas do negócio. Essa é uma das razões de encontrarmos tantas iniciativas – aquelas que falei acima, cheias de boas intenções – que sofrem resistência para tomar forma e tantos líderes frustrados: a tendência a acreditar que a mudança deve acontecer deles para baixo e não a partir deles.
Quando projetos culturais apresentarem indícios de falha, faça uma varredura. Nas estratégias, nas condutas e em si mesmo. Será que está exigindo dos demais aquilo que não está disposto a oferecer? Um líder nunca será excelente de fato, sem boas camadas de autoconhecimento e autogestão. É preciso mapear a si mesmo, saber quais são os pontos fracos e fortes que impactam a companhia e estar disposto a revê-los quando e quantas vezes forem necessárias. Felizmente, o mercado apresenta uma infinidade de cursos, programas, literaturas, teorias e práticas que facilitarão o caminho. Alguma delas encaixará com seu estilo de vida e de entrega.
Inclusive, neste outro artigo, falamos sobre como o autoconhecimento apoia a liderança e seu trabalho diário. Se quiser se aprofundar, acesse aqui.
A cultura come a estratégia no café da manhã
Peter Drucker
Um líder de mindset indisponível ou desalinhado deturpará a cultura. A esperança está no fato de que, como nos apresenta a própria Dweck, nós temos a capacidade de visualizar nossas falhas e fracassos como oportunidades de crescimento e reajustar a rota. Gaste tempo aprendendo sobre si mesmo, analise como o seu dia a dia reflete o que de fato acredita, sobre o que lhe trouxe até aqui e o que não é mais funcional para o futuro. Olhe para seu negócio – ou unidade, ou área – a partir da influência que exerce. Aplique antes de qualquer outro modelo, a cultura do exemplo.
Camila Carvalho é jornalista, especializada em gestão, cultura organizacional e liderança 4.0 e entusiasta da educação corporativa.