Outro dia, assistindo alguma palestra ou vídeo na internet, ouvi alguém comentando que umas das maiores expectativas das pessoas ao saber que a Apple vai lançar um novo IPhone é sobre seu novo nome. Como vai se chamar? IPhone SG? XS? 10S? Achei interessante refletir sobre como naturalizamos esse processo de associar as novas iterações destes produtos aos seus novos nomes. Me lembrei das inúmeras vezes em que modificamos nosso serviços e métodos na Consense e me lembrei do nosso programa de Liderança 4.0. Neste artigo, quero comentar um pouco sobre Liderança 4.0 e o que este numeral revela sobre essa nova versão de liderança para as organizações de amanhã.
A liderança 4.0 é tida como a resposta do papel do líder diante das mudanças trazidas pela Indústria 4.0. Segundo a Deloitte, o termo Indústria 4.0 engloba a promessa de uma nova revolução industrial, que combina técnicas avançadas de manufatura com a Internet das Coisas. O resultado são sistemas que não estão apenas interconectados, mas que também se comunicam, analisam e usam informações para promover ações inteligentes no mundo físico. E, assim como em outros momentos da história, um novo mundo demanda ou produz uma nova liderança.
A história até chegarmos na liderança 4.0
Para compreender o que esse novo mundo demanda da liderança, vale dar alguns passos atrás e resgatar as mudanças pelas quais a liderança já passou até os dias atuais. Ao considerarmos o período após a primeira revolução industrial e início da segunda, após 1900, veremos emergir uma liderança orientada para a produção e seus sistemas industriais. Foi nesta fase que ascenderam empresas como a Ford, considerada inovadora por conta das linhas de produção e esteiras de montagem.
O famoso Fordismo se espalhou pelas empresas de todo o mundo, e junto com ele um modelo de liderança baseado no controle dos tempos e processos dos trabalhadores. Era necessário observar a produção de perto para garantir que tudo sairia como planejado. O líder era como um fiscal do trabalho. E as pessoas eram “parte da máquina”.
Após 1980, com a popularização dos sistemas de qualidade, o surgimento da internet e a evolução dos modelos de gestão, surge um líder mais ligado na qualidade dos processos, não apenas na produção em si, desta forma a gestão ganha espaço. Dos anos 2000 para cá, a evolução da tecnologia afetou drasticamente a maneira como as organizações passaram a ser geridas. Já ouvimos falar em mundo VUCA, em era do Conhecimento, nova Economia e as sustentabilidades se tornaram ESG. Esses são apenas alguns de vários termos usados para explicar um mundo cada vez mais complexo e ambíguo.
O que torna este momento em que vivemos diferente dos anteriores é o fato de que não há tempo suficiente para compreender totalmente a transformação pela qual estamos passando, já que tudo se transforma de maneira muito dinâmica e rápida. Segundo uma pesquisa feita pela Harvard Business Review em parceria com a Deloitte, embora os executivos entendam conceitualmente as profundas mudanças sociais e de negócios que a Indústria 4.0 pode trazer, eles não têm tanta certeza de como podem agir para se beneficiar ou beneficiar suas organizações.
Adicionalmente, existe muita instabilidade no âmbito da perenidade dos negócios. A Oxford Leadership, organização global especializada em liderança, por exemplo, mapeou que é provável que 40% das principais empresas do mundo não existam de forma significativa daqui a dez anos.
Segundo Klaus Schwab, Chairman do fórum econômico mundial, estamos vivendo um período de avanços simultâneos e sem precedentes em inteligência artificial, robótica, internet das coisas, veículos autônomos, impressão 3D, nanotecnologia, biotecnologia, ciência dos materiais, armazenamento de energia, computação quântica, que têm redefinido setores, confundido as fronteiras tradicionais e criando novas oportunidades. E este é um movimento que tende a se intensificar nos próximos anos. Você já conhece todos esses termos e suas implicações em nosso dia a dia?
Por tudo isso, fica a questão: quais são exatamente as competências e qualidades necessárias aos líderes do futuro? Como desenvolvê-las? Como apoiar a tomada de decisão destas lideranças em um mundo cada vez mais ambíguo?
No âmbito da tecnologia, considerando seu papel central neste movimento de mundo, Schwab avalia que é preciso emergir uma liderança que se concentre mais nos sistemas do que na tecnologia em si. Ou seja, que avalie os impactos sistêmicos das novas tecnologias, mais do que suas entregas isoladas. Ele também afirma que é fundamental capacitar nossas sociedades para dominar as tecnologias e prepará-las para viver em um mundo onde elas estão completamente integradas ao nosso dia a dia.
Ele também enfatiza que devemos focar em estabelecer os valores-chave das novas tecnologias para que não sejam usadas de forma a aumentar a disparidade, a pobreza, a discriminação e os danos ambientais. Assim, o que podemos perceber é que há muita incerteza sobre como essas diferentes tensões vão se desenrolar, já que os cenários para o futuro variam muito, mesmo partindo dos mesmos dados.
Apesar disso, é possível esboçar habilidades que serão fundamentais nestes novos contextos. Neste artigo, quero listar quatro competências que mais apareceram em minhas pesquisas e leituras e que combinam com minha experiência empírica treinando líderes e conduzindo projetos de desenvolvimento organizacional nos últimos dez anos.
Abrace a incerteza lendo cenários de forma constante
Um dos grandes desafios apresentados por um mundo 4.0 para as lideranças é a capacidade de estabelecer estratégias que sejam realmente efetivas. A visão de curto prazo e a luta para desenvolver estratégias eficazes que aproveitem as vantagens das novas tecnologias continuam desalinhadas da capacidade operacional da maioria das organizações. Ou seja, o tempo entre a definição e implantação é insuficiente para que as estruturas se adaptem.
Desta forma, é fundamental que as lideranças desenvolvam a capacidade de fazer leituras constantes dos cenários nos quais suas empresas estão inseridas e realizem incrementos constantes na estratégia do negócio. Uma liderança isolada do mundo é, sem dúvidas, um problema adicional para uma empresa que precisa lidar com rápidas mudanças, estabelecer estratégias assertivas e lidar com a implantação ágil destas tomadas de decisão. Qualquer líder que não estiver em constante contato com o que muda no mundo e nos negócios, irá se tornar – ele próprio – um fator de lentidão para sua organização.
E vale ressaltar que essa competência demanda técnica e disciplina, além de ser essencial para qualquer líder de qualquer área dentro da organização. Convivo diariamente com lideranças que acreditam não precisar conhecer o mercado e os desafios organizacionais para além de sua área de autonomia. Um engano perigoso, pois a leitura constante de cenários permite uma visão mais equilibrada do mundo e uma tomada de decisão mais assertiva, menos enviesada e reducionista. Além disso, incentiva uma mentalidade que acolhe a incerteza e a mudança como parte do contexto de trabalho, o que tende a diminuir o controle e o apego.
Pare um momento e pense:
- Quais os últimos acontecimentos em seu mercado?
- Como as tecnologias afetam sua área de atuação?
- Qual o papel social da sua organização?
- Como lidar com a tensão entre estratégia de curto e de longo prazo em um mundo em constante mudança?
- Quais mudanças de mundo afetarão de maneira significativa sua empresa, sua área e sua profissão nos próximos anos?
Perguntas como estas devem sempre rondar o trabalho diário do líder que lê cenários.
Fortaleça seu autoconhecimento e sua capacidade de gerir seu repertório
A natureza de um mundo 4.0 tenciona nossa capacidade de lidar com tantas mudanças simultaneamente e manter nossa capacidade produtiva para tomar decisões e executar estratégias. A quantidade de relatórios anuais sobre as competências do ano ou dos anos subsequentes é infinita e, cada vez mais, lideranças são colocadas em posições desafiadoras ao se demandarem competências difíceis e até mesmo contraditórias.
Segundo o relatório The Future of Jobs, de 2023, realizado pelo Fórum econômico Mundial, 85% das organizações identificam o aumento da adoção de novas tecnologias e a ampliação do acesso digital como as tendências com maior probabilidade de impulsionar a transformação em sua organização. E por conta do impacto dessas novas tecnologias no trabalho e na forma como ele é realizado, o relatório indica que seis em cada 10 trabalhadores precisarão de treinamento antes de 2027. Porém, apenas metade deles tem acesso a oportunidades de treinamento adequadas atualmente.
Este desafio nos coloca em um cenário de mudança na forma como aprendemos e desenvolvemos habilidades, demandando mais autonomia e protagonismo por parte da liderança sobre seu aprendizado. Protagonismo que se materializa na gestão pessoal de seu repertório para lidar com os desafios.
Cabe explicar que entendemos repertório como o conjunto de saberes, conhecimentos, habilidades, competências, crenças, valores, experiências, histórias de vida e aspectos da personalidade disponível para usarmos em nosso dia a dia para lidar com os desafios que nos são apresentados. Ou seja, conhecer profundamente seu repertório traz clareza sobre o que aprender, como aprender e quando aprender.
Gerir o repertório pessoal implica compreender que nossos saberes, valores e formas de pensar afetam a expressão do nosso trabalho e, como líderes, afetam ainda a forma como a empresa toma decisões, gerencia suas estruturas e determina seus rumos. A clareza dessa conexão é a chave para compreender por que, mesmo em um mundo altamente tecnológico, competências como inteligência emocional, social e psicológica continuarão sendo determinantes para o sucesso das organizações.
O que atesta o fato de que essa habilidade deve ajudar a revelar ainda mais sobre quem somos e o que queremos. Não se deixando modificar a si mesmo sem consciência ou de forma leviana, mas sempre buscar raízes em uma reflexão constante sobre o porquê destes movimentos.
Gosto de citar como exemplo os conceitos de lifelong learning e lifewide learning, que se difundiram mais recentemente. Em essência, lifelong learning é uma série de experiências de aprendizado em diversos e sucessivos momentos de tempo na vida. Já lifewide learning são aprendizados em diferentes espaços ou ambientes simultaneamente. É literalmente o aprendizado atravessando a vida de um indivíduo a qualquer momento. Ou seja, por toda a vida e em todos os ambientes da vida. O que abre espaço para entender que nosso repertório transcende as formações formais, mas envolve tudo o que sabemos, tudo o que somos e como somos.
Por fim, devo destacar que a habilidade de gerenciar o próprio repertório de forma consciente e a de ler cenários constantemente podem ser entendidas como fundamentos da liderança em um mundo em constante mudança. Habilidades que apoiam responder à seguinte questão: o que o contexto demanda de habilidades e como meu repertório pode se transformar para lidar com essas mudanças?
Para ler mais sobre autoconhecimento, acesse este link com um artigo sobre a importância do autoconhecimento na liderança.
Desenvolva sua comunicação para a liderança 4.0
Uma das características do mundo 4.0 é o aumento significativo da complexidade cultural das organizações. Vimos isso ser acelerado pela pandemia, claro, mas a quantidade de movimentos que tornaram o ambiente de negócios mais diverso vai além da covid-19. O que torna a capacidade de se comunicar um fator essencial. Lideranças que não se comunicam adequadamente já têm e continuarão tendo muita dificuldade.
É claro que a comunicação sempre foi um fator decisivo para bons líderes. O que muda neste caso é que não se trata apenas das habilidades de se comunicar com clareza ou dizer o que precisa ser dito. Trata-se de usar a comunicação de forma estratégica para engajar times multiculturais e geograficamente dispersos via instrumentos diferentes de comunicação. Também inclui ter a capacidade de criar um senso de comunidade e pertencimento lidando com estes mesmos times e, por fim, inclui ter a habilidade de construir alinhamento e coesão.
Isso tudo se faz necessário por que cada vez mais tem se tornado importante que o líder exerça uma função de curador sobre o que realmente importa no meio de tanto caos e ambiguidade. Saber filtrar aquilo que interessa para que o time atue de forma consistente no que trará os melhores resultados para o negócio. Não que seja um trabalho para ser feito sozinho, mas é o líder que precisa desenvolver a habilidade de conduzir e, principalmente, comunicar estes recortes de forma eficiente. Utilizando diferentes tipos de estratégias de conversa (individuais, coletivas, presenciais ou online), a comunicação se tornará cada vez mais fundamental para as lideranças.
Recebo diariamente pedidos de clientes para apoiar a evolução de suas lideranças em relação à sua comunicação. Seja na condução de feedbacks, reuniões ou conversas difíceis, seja para melhorar a forma como engajam, geram pertencimento ou conduzem times remotamente. Em todos os casos, a comunicação é instrumento básico do líder e precisa estar no mapa como um tesouro a ser buscado sempre. Afinal de contas, as mudanças tecnológicas afetaram também a forma como entendemos, lemos e compreendemos as mensagens. As novas gerações possuem focos distintos sobre o que as engaja e também sobre como preferem conversar. E os líderes são peça central neste processo.
Lidere a mudança e desenvolva seu time em direção a ela
A maioria das perspectivas sobre a liderança do futuro apresentam a importância de acolher a mudança como inerente ao contexto de mundo onde viveremos. Entretanto, poucas organizações têm investido na capacidade dos líderes de lidar com ela e, principalmente, de liderá-la. Se formos ainda mais a fundo, podemos até nos questionar se estamos preparando nossos filhos para acolher e lidar com as mudanças de uma forma mais adequada do que nós mesmos.
Liderar a mudança significa abraçar o papel social da liderança e compreender como as transformações provocadas pela tecnologia afetarão o mundo e a forma como fazemos negócios no futuro. Significa ainda entender o papel do líder no desenvolvimento de profissionais mais conscientes e, por consequência, mais preparados para lidar com as transformações que o mundo imporá aos negócios.
Segundo a pesquisa feita pela Harvard Business Review, mencionada no início do texto, apenas um em cada cinco líderes afirma estar priorizando o investimento em tecnologias avançadas que tenham um impacto social positivo. E mais, só 17% dos executivos afirmaram que fazer investimentos efetivos em tecnologia 4.0 é uma prioridade para sua organização, ocupando a posição mais baixa entre 12 prioridades de investimento. Ou seja, as habilidades que as empresas relatam ter muita importância nem sempre se refletem nas estratégias de aprimoramento corporativo.
E só para provocar um pouco mais, ainda hoje, vemos lideranças insistirem em modelos antiquados de liderar, como os que discutimos quando falamos sobre as eras industriais. Líderes controladores, centralizadores, desconectados do mundo onde vivem, ressentidos pelas mudanças e evoluções e apegados ao poder e ao lucro acima de tudo. Como estes líderes vão guiar suas equipes para o novo mundo? Como as organizações podem sobreviver a tais líderes?
Estes questionamentos demonstram ainda mais a importância da busca do equilíbrio na lida com todas as transformações que vivemos. Precisamos de uma liderança que consiga executar o papel simultâneo de ler contextos amplos e complexos sem perder de vista o trabalho cotidiano de desenvolver seus times rumo aos contextos para os quais se direcionam. Não basta assumir novas tecnologias, nem treinar as pessoas nestas novas tecnologias, é preciso também preparar as pessoas para viver no mundo onde essas tecnologias serão predominantes. E isso se faz ampliando o espectro do trabalho do líder para equilibrar lucro e propósito social.
Meu objetivo com este artigo foi provocar em você um pensamento amplo sobre como as transformações digitais afetam o mundo em que vivemos e viveremos. Refletir sobre qual é o líder ideal para as organizações de amanhã não é um problema do futuro, mas do presente. E para além das inúmeras competências técnicas em tecnologia divulgadas por relatórios diversos anualmente, estas são habilidades que efetivamente farão diferença neste novo mundo. Fica aqui a esperança de que essa clareza ajude nosso progresso.
Anderson Siqueira é educador, fundador da Consense e especialista em desenvolvimento organizacional e cultura corporativa.