Venha comigo nesta história: sua equipe acabou de fazer um ótimo treinamento. Arrojado, moderno, totalmente conectado com as necessidades da área. Foram quatro dias de intensas trocas, discussões e aprendizados. Todos saem com um alto grau de participação e o maravilhoso sentimento do “agora vai”. Passados dois meses, no entanto, tudo continua igual e a motivação, que deveria estar de vento em popa, na verdade está mais baixa do que antes do bendito treinamento. O que há de errado com o aprendizado na empresa?
De volta aos planejamentos...
Esta história já aconteceu antes e corre o risco de acontecer novamente, já que esta é uma realidade muito presente no cotidiano corporativo. Muito tempo, energia e recursos financeiros são gastos em bons treinamentos, porém, igualmente muitos acabam não entregando a potencialidade que poderiam. Isso pode acontece especialmente com os temas e questões mais abstratas, como os relacionados ao propósito da empresa, aos valores ou à comportamentos psicossociais.
A boa notícia é que você pode transformar este conto de terror em uma história real com bons resultados. Veja só.
A jornada completa do aprendizado na empresa
Para que qualquer tipo de processo de educação corporativa alcance resultados expressivos é preciso pensar em sua linha do tempo completa, considerando o período antes, durante e depois dos encontros. E engana-se o líder que acredita e age como se esta responsabilidade fosse única e exclusivamente do RH. É em sua área que os colaboradores estão, é debaixo de sua gestão que vivem as conquistas e desafios e é para este mesmo lugar que voltarão quando o treinamento acabar. O RH tem como função facilitar e apoiar o desenvolvimento dos colaboradores sim, mas a liderança é a única que pode promover um ambiente que incentiva o uso real e pragmático de tudo o que for aprendido, em qualquer capacitação.
O impacto positivo de um programa de aprendizado é mais sólido e calculável se o ambiente de trabalho para onde os participantes voltam após os encontros é pensado e preparado para garantir a vivência contínua dos conhecimentos adquiridos.
Na maioria dos casos, os líderes têm menor controle sobre o que acontece durante o período de treinamento, já que o roteiro e os conteúdos dos encontros, usualmente, são determinados pela área de RH ou pela equipe externa contratada. Assim, as quatro dicas abaixo focam os momentos antes e depois dos encontros de aprendizagem.
Antes do treinamento
Deixe as expectativas claras: não existe tempo desperdiçado ao relembrar que o líder é a principal fonte de recados culturais de uma equipe. Suas atitudes, palavras, omissões e silêncios falam o tempo todo e conseguem determinar o que é/será importante ou não no dia a dia. A regra também vale para os momentos de aprendizagem: se você demonstra que algo é/será obsoleto, sua equipe o tratará dessa forma. Portanto, é essencial demonstrar, logo no início, quais são os resultados esperados para o desenvolvimento da área, do grupo e dos indivíduos, de forma profissional e até mesmo pessoal.
Exemplo: metade da equipe de uma coordenadora vai participar de uma convenção de três dias fora da cidade. Além de garantir que as atividades fossem alocadas de forma a incentivar os participantes a focarem somente no evento, realizou uma conversa coletiva a respeito de sua expectativa de que o grupo participasse das palestras sobre as principais inovações do mercado e pudesse compartilhá-las com os demais colegas na volta.
Após o treinamento
Dê oportunidades de aplicação: a melhor garantia de que as novas informações adquiridas vão de fato se tornar conhecimento e vivência no dia a dia é permitir que elas sejam aplicadas em situações reais do trabalho. Parece óbvio, mas muitos líderes esquecem de que isso provavelmente envolverá mudanças e, em muitos casos – na verdade, quase todos – abrir mão do conhecido e do seguro para criar uma zona de testes, com seu instável caminho de erros e acertos. Dá trabalho, porém, na mesma medida, produz inovação e crescimento.
Exemplo: um vendedor, após ser enviado para um workshop, tem contato com uma nova abordagem de atendimento na fase de pós-venda. Ao retornar, conversou com seu líder sobre a possibilidade de fazer um experimento piloto com um ou dois clientes. Com medo de que um erro pudesse desgastar a relação com o cliente, o líder nunca lhe deu a oportunidade.
Esteja presente: especialmente se o líder também esteve presente na aplicação do treinamento ou já teve contato com o conteúdo apresentado. Esteja aberto para tirar dúvidas e ajudar a equipe a perceber quais são os melhores formatos, oportunidades ou períodos para aplicar o conhecimento recebido. Relembre as metas e as expectativas e forneça feedback sobre as mesmas. Por fim, tenha em mente que o aprendizado gera mudança e isso demanda tempo e energia de todos.
Exemplo: um mês depois de um treinamento a respeito do novo sistema de ERP da companhia, um gerente de produção fez reuniões individuais com os participantes para entender quais dúvidas e quais dificuldades práticas ainda existiam. Quando percebeu que os colaboradores tinham questões em áreas diferentes, conseguiu fazer um plano de pareamento, permitindo que a própria equipe conseguisse solver as dúvidas uns dos outros.
Recompense a aplicação, notifique a omissão: um dos maiores benefícios de uma cultura de aprendizado na empresa é o seu poder de formatar uma série de transformações. Para que isso aconteça de forma sistêmica e profunda é importante que o líder, além de estar presente, crie situações de recompensa diante da execução prática do que foi aprendido. Esse reconhecimento pode vir de variadas formas, mas seu principal objetivo é garantir o reforço positivo do uso aplicado do conhecimento. Por outro lado, é importante notificar quando o contrário acontece e questionar o colaborador quando não coloca em prática aquilo que aprendeu.
Exemplo: um grupo de gerentes participou de uma imersão sobre trabalho em equipe durante sete dias. Passados os primeiros três meses, o diretor decidiu fazer uma verificação, questionando as equipes operacionais sobre o tema. Então, em meio a reunião de acompanhamento, o diretor fez um elogio público para os três gerentes que mais haviam melhorado os resultados a partir das técnicas aprendidas. Além disso, conversou individualmente com os gerentes que menos performaram, com o objetivo de entender quais eram os pontos de atenção e criar um plano de ação.
Por fim, um processo de aprendizagem não estará completo se não houver medição de seus resultados. Passado o tempo adequado, o líder deve estar atento para observar os impactos do novo conhecimento e coletar da equipe feedback sobre as mudanças sentidas no dia a dia, tanto no âmbito pessoal quanto no coletivo. Além disso, a constância na prática das ações que citei criarão uma cultura onde os treinamentos importam, de forma que as pessoas terão clareza de que aquele conteúdo será cobrado.
Aproveite estas dicas e veja os treinamentos de sua área ganharem novos e melhores resultados. Considere ainda refletir sobre como a cultura do seu negócio apoia ou atrapalha não apenas o aprendizado, mas também a inovação. Sobre isso, leia este texto sobre como uma cultura de segurança psicológica pode contribuir.
Um abraço,
Camila Carvalho é jornalista e especialista em educação corporativa. Atua como educadora em temas como experiência do cliente, cultura e desenvolvimento organizacional, possui experiência na construção de processos organizacionais de alta performance e em sistemas de tomada de decisão alinhados e participativos.