Faça um teste: pergunte para qualquer líder se ele valoriza a colaboração. Eu garanto que você vai receber um sonoro sim. Agora, pergunte se ele está satisfeito com os resultados que tem obtido com a colaboração no trabalho, é provável que receba uma resposta um pouco diferente.
Muitos vão reclamar da quantidade de esforço necessária para colaborar e de como o impacto nem sempre vale a pena. Outros, vão falar sobre o quão doloroso é participar de reuniões sobre as quais ele poderia decidir sozinho. Também vai ouvir sobre os movimentos intensos de engajamento em prol de reuniões, colaboração e trabalho em equipe, mas com pouco retorno e resultados concretos.
Ou seja, apesar de entendermos os benefícios de colaborar e ouvirmos histórias sobre seus bons resultados, na prática, acaba sendo complicado explorar todo o potencial que a diversidade e o conflito têm para oferecer. E isso tem um motivo até simples: Estamos enxergando a colaboração de maneira limitada.
Explico.
Pense no terreno amplo de um agricultor. Para que ele possa obter o melhor do solo é importante ter uma boa camada de matéria orgânica e um misto de terra solta e argilosa, que permita uma boa drenagem e oxigenação. É preciso também considerar o clima, de acordo com o que for plantar, bem como a época do ano, as estações, temperatura etc.
Tudo isso cria o ambiente ideal para o plantio ser bem-sucedido.
Porém, não basta jogar as sementes e esperar o resultado, certo? O ambiente ideal é uma parte do processo. O plantio também exige boa técnica, como considerar os espaços entre as sementes, praticar cuidados diários, como a rega adequada, as podas e a atenção aos indícios de fracasso e sucesso.
Ou seja, um bom ambiente demanda um bom agricultor.
Isoladamente, nenhum destes atores consegue produzir um excelente plantio.
Com a colaboração acontece igual. É preciso preparar o ambiente institucional para a colaboração acontecer e, paralelamente, desenvolver as habilidades técnicas necessárias para conduzir o processo e colher os frutos. De um lado, cultivar uma cultura que crie a oportunidade de colaborar e ofereça suporte e incentivo institucionais para isso. De outro, capacitar as pessoas com as melhores técnicas de condução e de participação.
Para falar mais sobre isso, produzimos dois artigos especiais. Neste, vamos falar sobre os aspectos relacionados à construção de uma cultura colaborativa e na semana que vem, sobre as habilidades de colaboração.
Caso queira conversar mais sobre como a colaboração tem se comportado durante esse período de isolamento, acesse esse outro artigo aqui.
Um valor estratégico do negócio
Apesar de parecer o contrário, tenho reparado que a percepção de que a colaboração é um valor estratégico não é tão difícil de ser encontrada. Muitos líderes têm incluído em seus discursos a máxima da colaboração, a ideia de que é preciso trabalhar em equipe para conquistar os melhores resultados.
O problema está no fato de acreditarem que discursos sustentam a execução. E isso nunca foi uma verdade. Pelo contrário, cultivar uma cultura de colaboração envolve, a meu ver, dois eixos centrais: a estratégia e a governança. Ou seja, desenvolver um conjunto de ações que avalie, remodele e implante novas práticas na constituição dos planos e diretrizes estratégicas e, também, da governança corporativa.
As ações nestes dois eixos são inúmeras. Para facilitar, vamos discutir 3 delas. Tenho certeza de que podem te apoiar a iniciar um trabalho profundo de transformação cultural orientado para a colaboração.
Conecte a colaboração com os objetivos estratégicos do negócio
Considere estritamente a entrega concreta do seu trabalho. Você pode estar tentando vender um produto, aumentar a participação de mercado ou fornecer um serviço. Por um instante, não pense nas pessoas e nos relacionamentos. Pense apenas naquilo que afeta diretamente a conquista do resultado. É possível alcançar o sucesso assim?
Agora, reintroduza os relacionamentos – é possível perceber como a maneira como suas equipes trabalham em conjunto é importante para as metas de negócios serem cumpridas?
Aqui está um primeiro equívoco na busca por aproveitar o melhor da colaboração. Muitas vezes, separamos a colaboração do trabalho, como um objetivo isolado de performance, totalmente à parte da estratégia. Entretanto, o trabalho em equipe não pode existir separado do “algo” que sua equipe está tentando realizar.
Desta forma, ao se definirem os objetivos e as estratégias, deve-se incluir a colaboração como um dos recursos meio para alcançar estes objetivos. A maneira como a equipe interage, suas competências e a modelagem dessas inter-relações é, sem dúvida, um recurso a ser otimizado.
Há uma série de fatores sistêmicos que influenciam como nos comportamos no trabalho, seja como as informações fluem em sua organização, como as decisões são tomadas, o design físico de seu local de trabalho ou como você mede e recompensa o comportamento dos funcionários.
Tudo isso precisa ser considerado para se obter sucesso com a colaboração.
Estruture avaliações de desempenho focadas na colaboração
Um estudo conjunto entre o Institute for Corporate Productivity (i4cp), Global Business e Babson College descobriu que as empresas que promovem o trabalho colaborativo têm 5 vezes mais chances de ter alto desempenho. O estudo examinou mais de 1.100 empresas que afirmavam ter culturas abertas e colaborativas. Porém, poucas conseguiram alcançar estes bons resultados.
Segundo os pesquisadores, parte do problema está na falta de incentivo e nos recados incoerentes em relação à colaboração.
Além de conectar a colaboração aos objetivos, é importante garantir que todo o ambiente de trabalho funcione no sentido de apoiar e promover o trabalho colaborativo. E a falta de incentivos e recompensas é uma destas barreiras poderosas. Ainda assim, a maioria dos sistemas de gestão de talentos são projetados para recompensar as realizações individuais, não as realizações da equipe.
Para mudar isso, você pode tornar a colaboração uma habilidade essencial do negócio, especialmente, das lideranças. Pode listá-la entre as competências que serão examinadas nas avaliações de desempenho e, por que não, incluí-la entre os critérios que permitirão o recebimento de bônus e incentivos.
O que certamente não será coerente é promover discursos e ações sobre colaboração e manter a dinâmica de trabalho que incentiva uma competição nociva entre as pessoas. Qualquer tentativa de transformação cultural precisa se basear na consistência de recados institucionais, do contrário, produzirá mais confusão e reforçará o comportamento individualista.
Configure processos de trabalho com base na colaboração
Um dos nossos trabalhos é apoiar empresas a pensarem seu processo de atendimento ao cliente. Consiste em um trabalho profundo de pesquisa e criação, pensando nos diversos pontos de contato e elaborando procedimentos que cumpram, no dia a dia, as ideias de impacto do time. Esse trabalho é conduzido por comitês interdepartamentais, e isso tem um motivo.
Processos são sistemas cíclicos, existem para permitir a mínima padronização de execução. Eles podem ser flexíveis, podem ser burocráticos, mas essencialmente, precisam representar os interesses de execução de uma empresa. Ou seja, somos nós quem damos o tom que desejamos aos processos que criamos.
Desta forma, é possível contribuir com a construção de uma cultura de colaboração ao desenhar processos que a utilizem como “regra do jogo”. Em um cliente, por exemplo, ficou definido que as propostas sempre serão criadas por um comitê de pessoas de diversas áreas. Em outro, foram criadas atividades que integrem vários departamentos, diminuindo os conflitos de interesse entre eles e aumentando o senso de colaboração.
E mesmo em processos mais gerenciais, é possível incluir a colaboração. Por exemplo, criando comitês de gestão, onde líderes discutem os desafios interdepartamentais e criam, conjuntamente, soluções para aqueles que não são atribuição de um só decidir. Além de diminuir as zonas cinzentas de informação, obtém-se mais agilidade e inclusão. O cuidado é não exagerar, afinal de contas, colaboração em excesso gera atraso, ineficiência e centralização também.
Segundo estudo do Instituto Gallup, empresas com uma cultura colaborativa diminuem em 41% o absenteísmo, são 17% mais produtivas, diminuem em até 24% o turn-over e aumentam em até 21% a rentabilidade. Resultados muito atrativos para todos que desejam se manter relevantes em um mundo como o que vivemos.
Porém, criar uma cultura colaborativa exige esforço e, principalmente, disciplina dos executivos na inclusão da colaboração como um dos aspectos centrais das discussões sobre estratégia e governança. Desta maneira, a colaboração não ficará limitada ao aparato habilidoso de algumas poucas pessoas, mas será incentivada institucionalmente. Um comportamento que fará toda a diferença entre o “sim” dado para a colaboração e a colheita efetiva de seus resultados.
Anderson Siqueira é fundador da Consense educação para as relações, especialista em psicologia organizacional e governança corporativa.