Diversas empresas já entenderam o potencial dos testes psicológicos em revelar informações sobre suas equipes. Entretanto, poucas conseguiram consolidar formas de utilização que transcendam as análises e ações mais usuais, como devolutivas comportamentais e mapeamentos de competência. Nós acreditamos que é possível, com boa vontade e técnica adequada, apoiar a gestão do negócio e a tomada de decisão, não apenas individualmente, mas de forma estratégica e sistêmica.
Para discutir este assunto, vamos utilizar o MBTI como parâmetro, pois é o instrumento oficial aqui da Consense. Em poucas palavras, ele é um dos mais antigos instrumentos de investigação da personalidade e traz 16 tipos de resultados diferentes. Vale destacar que cada tipo é o resultado inicial de um complexo de perspectivas bem abrangente sobre a personalidade. E embora alguns pensem que descobrir seu tipo psicológico é um ponto de chegada, entendemos o contrário, como o ponto de partida da jornada do autoconhecimento.
“Sua visão se tornará clara somente quando você olhar para o seu próprio coração. Quem olha para fora, sonha; quem olha para dentro, desperta.”
Carl Jung
É importante destacar que o MBTI não é um instrumento para estereotipar pessoas ou reduzi-las em letrinhas. Quem o conhece bem sabe que ele pode ser entendido como um mapa inicial do nosso “sistema operacional” mental. Também vale lembrar que não é papel do MBTI revelar informações sobre nossa inteligência e caráter. Nem mesmo determinar o que cada um de nós vai realizar no mundo. Por isso, é tão importante compreendê-lo à fundo, com a ajuda de um profissional qualificado. Caso queira entender mais sobre o MBTI e saber como podemos apoiar nessa jornada, clique aqui
O curioso é que cada combinação do MBTI apresenta um sistema operacional completamente diferente, que influencia na maneira como o tipo se organiza, se comunica, gerencia seus conflitos, toma decisões e na maneira como responde ao estresse diário e crônico. E aqui está o primeiro grau de uso do MBTI que nos referimos anteriormente: um dos instrumentos mais eficientes para o desenvolvimento pessoal e profissional, especialmente por sua capacidade de gerar autoconhecimento e promover a integração de grupos.
Para a gestão, como prometemos no início do texto, pontuaremos sobre a influência da personalidade na tomada de decisão. Queremos falar sobre isso por entender que é nas decisões que nascem as ações, ou seja, melhorar a capacidade das pessoas e do negócio de decidir significa melhorar os resultados colhidos pela execução destas ações.
Além das pessoas, uma empresa também toma decisões
Você toma decisões de forma imparcial? Ao se deparar com duas alternativas para um desafio, escolhe a mais lógica ou aquela que mais se aproxima de seus valores pessoais? Caso estes elementos sejam conflitantes, como você decide? Você sempre decidiu desta maneira, ou foi aprendendo no decorrer da vida?
Naturalmente, cada um de nós dará uma resposta para as perguntas acima, já que tomamos decisões de maneira particular. O ponto aqui é que nas empresas, em geral, tomamos decisões em grupo e não apenas sozinhos. O que nos faz perceber que existe um “jeito empresa” de tomar decisões, que não é apenas uma somatória dos modelos individuais, mas algo também particular e complexo.
Desta forma, é preciso inserir no contexto informações sobre a cultura, sobre a disponibilidade de recursos para as decisões, sobre a segurança psicológica, e, claro, sobre a influência dos tipos de personalidade na composição de uma espécie de personalidade de grupo. Ou seja, entender o padrão de decisão da equipe ajudará a compreender sua influência na geração de resultados, no clima organizacional e até mesmo na capacidade da empresa de aprender, produzir inovação e, por fim, se manter relevante no mercado.
Em nossos projetos já acompanhamos diversos grupos de líderes, cada um deles com suas características coletivas predominantes. Enquanto alguns grupos se apresentavam mais concretos, lógicos, focados nos detalhes e na eficiência. Outros, apresentavam características mais visionárias, focados no futuro e também nas pessoas. Entretanto, ambos relatavam deficiências inerentes às suas características predominantes. E mesmo com o desejo consciente de fazer diferente, essas falhas surgiam e comprometiam o resultado do processo.
Por exemplo, uma equipe com preferências psicológicas muito parecidas pode enviesar suas decisões para lados muito lógicos, concretos e baseados apenas nos fatos, ignorando as possibilidades abstratas, as ideias mais “malucas” e o impacto nas pessoas. E até mesmo equipes muito diferentes, tidas inicialmente como ideais, podem não aproveitar adequadamente os conflitos naturais gerados pela sua diversidade por atuarem sem consciência e maturidade. O que é igualmente ruim.
Vale lembrar: para uma boa decisão são necessários um bom volume de dados, uma capacidade crítica interessante, tecnologia e até mesmo um bom processo, coisas que não tem a ver diretamente com a personalidade. Todavia, o que percebemos nestes anos de trabalho é que a personalidade que emerge no grupo pode ser entendida como um fator subjacente a todos estes outros aspectos, influenciando a maneira como o grupo interage e lida com eles.
Uma evidência de que o foco não deve ser a composição da equipe em determinados tipos psicológicos, mas a construção de um modo de decidir que transcenda os tipos.
Por definição, além dos fatores não humanos, sabemos que o melhor dos mundos é aproveitar todas as perspectivas possíveis para que a melhor decisão seja tomada. Resultado que pode ser perdido em casos como os citados e que demanda disciplina e maturidade para ser alcançado. Uma maneira interessante de evitar essas tendências decisórias e seus impactos é organizando um modelo formal de tomada de decisão que considere todas essas características na hora de decidir em grupo.
Vamos testar isso no exemplo a seguir?
Imagine que você e seus pares devem tomar a decisão sobre dar ou não uma folga para a equipe em uma determinada emenda de feriado. Existem quatro fases que tornariam essa decisão mais abrangente:
Etapas ligadas à captação de informações:
- Levantamento dos dados: que informações concretas temos sobre o caso? Quais últimas decisões e resultados já tomamos? O que aprendemos? Quais indicadores estão envolvidos? (como satisfação, ou percentual de faltas nas emendas).
- Novas possibilidades: que outras alternativas existem além de dar ou não a folga? É um tema relevante de discutir? Como seria o cenário em cada hipótese possível?
Etapas ligadas ao processamento de informações:
- Consequências lógicas: quais os prós e contras de cada alternativa? Quais os impactos nos resultados, no acúmulo de horas e para o trabalho em si?
- Consequências relacionais: como as pessoas vão se sentir em cada possibilidade? Como podemos tratar os conflitos gerados por cada decisão? Como isso pode tornar nossa equipe melhor ao final?
Uma tomada de decisão mais consciente
É provável que você ache algumas das perguntas incomuns e outras mais parecidas com seu jeito de pensar. Talvez se lembre de pessoas de sua convivência que se aproximariam de perguntas diferentes das suas. Isso acontece por que cada um de nós usa, preferencialmente, um dos modelos relacionados à captação de informações e outro relacionado ao processamento destas informações.
O importante é notar como é natural enviesarmos nossas decisões usando apenas algumas das fases apresentadas. Claro que usei um exemplo simples, mas pense nas decisões mais complexas que tomou em grupo nesta última semana. Em quais delas o seu grupo foi abrangente no levantamento de dados como deveria? Em quantas foram direto ao ponto? Existe paciência em sua equipe para dar o tempo adequado para que uma boa decisão seja tomada?
É justamente por isso que o autoconhecimento é tão importante para a gestão, pois ele traz à consciência informações decisivas que tornarão o processo de tomada de decisão mais consciente, maduro e eficiente. Além disso, permitirão que as definições de estrutura e governança sejam mais humanas e equilibradas e não apenas mecânicas e econômicas. Que diferença faria estabelecer em sua empresa um modelo formal de tomada de decisão, que protegesse a diversidade tanto quanto protege o tempo e os recursos?
Nosso objetivo até aqui foi demonstrar como é importante expandir as possibilidades de uso das informações geradas por processos de autoconhecimento. O MBTI possibilita compreender como um indivíduo e grupo decidem, mas é no processo, na governança e na disciplina que residem os instrumentos capazes de aproveitar o melhor das diferenças.
Por isso é tão importante criar uma forma de lidar com as tendências na tomada de decisão e de aproveitar o melhor das diferenças disponíveis. Um sistema de decisão coletiva, por exemplo, pode ser o melhor caminho para as empresas que desejam usufruir dos benefícios da diversidade a partir do complemento das personalidades e também mitigar os possíveis vieses que podem impedir a tomada de boas decisões. Experimente fazer isso com seu time ou em suas decisões individuais e nos conte que diferença isso fez no seu processo e na qualidade da decisão.
Para continuar no flow:
Caso queira falar mais sobre isso, baixe o nosso Guia sobre Estruturas de gestão. Com ele, será possível entender mais sobre os elementos que apoiam a criação de estruturas que realmente estejam alinhadas com o negócio e suas metas. Para fazer o download deste e-book, acesse aqui.
Anderson Siqueira é CEO e fundador da Consense educação para as relações, especialista em psicologia organizacional e governança corporativa.