Discussão. O que vem à sua mente quando lê esta palavra?
Em muitos casos e cenários somos ensinados, às vezes desde pequenos, que ela remete a algo que não é bom. Um comportamento não recomendado, que de alguma forma não é desejado, mas sempre está presente. Uma verdadeira ovelha negra da família do diálogo.
O problema é que, inevitavelmente, discutimos. Com nossos pais, cônjuges, amigos, irmãos, colegas de escola, de trabalho, até com os desconhecidos. Pelos mais diversos motivos e das mais diferentes formas. Deste modo, somando nossa personalidade, nossas experiências e o que aprendemos, criamos uma visão distorcida deste tema que parece ser tão controverso.
Alguns sentem aquele frio na barriga quando o diálogo parece fugir do campo amigável. Aprendem a fugir, com receio de toda e qualquer discordância. Harmonia a qualquer custo. Outros, decidem buscá-la como uma forma de combate e proteção. O famoso, “deu, levou”, “não levar desaforos para casa”. O caso é que nenhum dos dois caminhos gera resultados saudáveis, retroalimentando nossos medos e preconceitos.
Mas, quando o tema em pauta é discussão, me alegro em dizer que existe um terceiro caminho, o mais excelente e de melhor proveito. Afinal, se a discussão sempre está presente no dia a dia, o ideal é sabermos usá-la a nosso favor.
Para que discutir?
Todos sabemos que o mundo corporativo está repleto de decisões a serem tomadas todos os dias. Grandes e pequenas, simples e complexas. Além disso, dificilmente o trabalho executado é feito integralmente em carreira solo. Somos rodeados de equipes, pares e líderes que lidam diariamente com as causas e efeitos que as decisões que tomamos geram. E vice-versa.
Por isso, nem sempre tomar uma decisão em conjunto é algo fácil. Sem os devidos cuidados, os momentos colaborativos acabam sendo cansativos, cheios de tensão e com resoluções que dividem opiniões e criam indisposições entre pessoas e times, alimentando mais a visão individualista do que a coletiva.
Então, você deve estar se perguntando, como criar discussões que sejam eficientes e que trabalhem a favor do negócio? Praticando o consenso.
Consenso é um processo de discussão focado na busca dos melhores resultados a partir da troca livre de percepções e insights pelas pessoas envolvidas. E fique atento, pois ao contrário do que muitos acreditam, consenso não tem a ver com conseguir a concordância de todos, nem com validar ideias previamente concebidas. Consenso é sobre dar a oportunidade de todos [que podem] contribuírem e sobre gerar um debate aberto e caloroso, que permita a leitura efetiva do contexto a partir de percepções diversas e, com isso, produzir respostas mais abrangentes, assertivas e de impacto.
O verdadeiro consenso permite que mesmo os que não concordaram com o rumo tomado se sintam confortáveis com a decisão escolhida e se comprometam com as ações acordadas. Isto por que, no consenso, mais importante do que buscar concordância é garantir que a melhor decisão possível seja tomada.
Em uma série especial para o TED sobre engajamento e felicidade no trabalho, o atual CEO do Great Place To Work, Michael C. Bush afirmou que ao expor nossas opiniões, buscamos ser considerados: “A única coisa que todos apreciam e querem quando estão falando é saber que o que estão dizendo importa tanto que você realmente pode mudar de ideia. Caso contrário, para que conversar?”. E isso requer pensamento de time: nós somos mais fortes juntos, do que seríamos sozinhos.
Assim, praticar consenso é uma ótima maneira de se conseguir explorar diferentes nuances e conseguir se manter como um verdadeiro líder situacional e sistêmico. Seja na troca individual com um par na busca de um conselho, um feedback dado ou recebido ou em uma reunião com a equipe.
Quando discutir?
Você com certeza já deve ter vivenciado momentos de discussão que foram cheios de tensão e intensidade, mas que curiosamente terminaram em bons resultados. Mas também já deve ter experimentado a sensação não tão agradável de ter iniciado uma conversa que, de alguma forma misteriosa, andou em círculos, não levou a lugar algum e possivelmente terminou com uma das partes envolvidas sentindo-se desrespeitada.
Todos já passamos pelos dois lados. Mas, o que diferencia uma da outra? O foco.
Ambas discussões podem ser iniciadas com boas intenções e um bom objetivo, porém, se ao longo do tempo não houver intencionalidade real em manter o eixo e a atenção na livre troca de ideias, sem deixar levar por outros caminhos, como o ego e as provocações, dificilmente haverá bons resultados finais e planos de ação efetivos. É como plantar uma semente de laranja, esperando obter dali morangos.
Na Consense costumamos usar dois termos para diferenciar estes dois diferentes tipos de debates. Quando existe discussão, mas seu foco está na livre troca de ideias, a nomeamos conflito. Porém, quando a origem e finalidade é ego centrada e intolerante, chamamos confronto.
Conflitos | Confrontos |
foco na argumentação e colaboração sentimento de segurança para expor busca por novas e melhores soluções | egos exaltados troca de acusações e/ou ofensas busca de culpados |
Todo processo de consenso naturalmente passa por conflitos, mas deve estar completamente ausente de confrontos.
Então, como líder, quando devo discutir?
Todas as vezes que o consenso for necessário. E, em muitos casos, é mesmo a liderança que deve incentivar a discussão conflituosa. Agora, tome cuidado para não colocar em consenso aquilo que está na esfera de autonomia de alguém decidir sozinho. Ou mesmo de não cumprir seu papel no processo e esperar que a equipe sozinha chegue em algum lugar.
Lembre-se: consenso não é sobre buscar concordância, é sobre ouvir as percepções e tomar a melhor decisão possível naquele momento e seguir. O excesso de consenso gera burocracia pela participação. Um consenso malconduzido enfraquece a liderança, impede as pessoas de se comprometerem com decisões claras e aumenta a ambiguidade.
Como conduzir uma discussão?
É aqui que a maioria dos líderes encontra problemas. Normalmente, a primeira confusão vista nos processos de consenso é a tentativa de simplificá-lo em uma simples votação onde ganha a decisão mais votada. Um caminho dos mais equivocados, já que parte de uma visão estranha de que a opinião da maioria é o melhor caminho. Como a empresa ganha com este caminho? Qual o benefício de uma decisão ser tomada dessa forma? Qual a qualidade do comprometimento alcançado com esse processo de decisão?
Vale destacar: consenso não é democracia. E esse tipo de conduta é péssima para a tomada de decisão. Em um processo de deliberação que busca a melhor decisão e parte do princípio de que diferentes perspectivas podem contribuir para se chegar lá, não existem vencedores ou perdedores, certos ou errados, sejam ideias ou pessoas. Muitos líderes gastam um tempo precioso remendando decisões mal tomadas por um senso equivocado de produtividade. A impaciência com os processos de consenso nunca é produtiva.
Abaixo, temos um passo a passo para momentos de discussão, também chamadas de fases do consenso.
- Definir um líder para condução: para discussões e consensos com resultados efetivos, é fundamental que exista a figura de alguém que sirva como mediador ou facilitador. Esta pessoa vai garantir que todos estejam ouvidos nos momentos adequados, que as fases sejam respeitadas, controlar o tempo ou relembrar premissas importantes quando necessário. Esse papel, em geral, é do líder.
- Iniciar com a definição ou exposição clara do objetivo final da conversa: onde precisamos chegar? Se houver premissas ou limitações, como tempo, budget ou outros, já devem ser igualmente informados. Normalmente, esta é uma função do líder ou do facilitador.
- Abrir a discussão buscando ouvir os diferentes pontos de vista: muitas vezes, discussões já são iniciadas de forma enviesada, simplesmente por que os participantes não saem da mesma linha de partida. Garantir que todos estejam cientes dos diferentes ângulos de um problema e dos pontos de vista de todos os envolvidos, fornece campo fértil para uma discussão mais profunda e menos propensaa confrontos.
- Explorar abertamente antes de decidir: com os objetivos em mãos e as percepções iniciais de todos na mesa, agora é o momento de se aprofundar nos fatos, dados e argumentos. Nesta fase, é importante saber equilibrar dados e possibilidades. Históricos, experiências passadas e cenários do presente devem ser combinados com hipóteses, probabilidades e cenários futuros.
- Tomar a decisão: realizada a etapa de exploração, normalmente é possível chegar a duas ou três soluções viáveis. Agora, é o momento de considerar quais impactos cada uma delas pode gerar no negócio no curto, médio e longo prazo, tanto nos resultados quando em todos os stakeholders.
- Alinhar os próximos passos: tomada a decisão, é fundamental não sair da conversa sem determinar o plano de ação para os próximos passos. É necessário definir quais comunicações, ações e contatos serão feitos e quem serão os responsáveis. O líder deve garantir a ata geral do grupo e incentivar cada participante a fazer suas próprias anotações.
Confiança e silêncio
Muitas lideranças comemoram o fato de vivenciarem poucas discussões e conflitos em suas equipes. Partem de uma ideia comum de que harmonia significa bons resultados. Um engano perigoso, pois harmonia em excesso pode significar ausência de confiança e comprometimento com o resultado coletivo do grupo, área e empresa. Inclusive, se quiser ler mais sobre comprometimento, acesse um outro artigo nosso, aqui.
Acredite. Uma equipe engajada discute. O tempo todo. E isso é fundamental para que as decisões sejam tomadas a partir de um bom processo. Que é consciente e não automático. Por isso, quando a harmonia e o silêncio imperar, faça barulho provocando discussões e conflitos calorosos.
Porém, lembre-se que a base para bons conflitos é a confiança, pois é nela que mora o terreno fértil para conflitos não se tornem confrontos. A confiança diminui a politicagem e aumenta as chances de as pessoas se sentirem vulneráveis para discutir com tranquilidade. Como líder, seu papel é construir relações de confiança de forma consistente. Sem esperar que ela aconeça sozinha.
Então, ponha em mente que discussão não é necessariamente algo ruim. Ela pode ser algo extremamente produtivo, caso haja foco de todas as partes em buscar a livre troca de ideias. E embora o consenso não seja algo tão fácil de conduzir, é muito mais produtivo, abrangente e efetivo em curto, médio e longo prazo. Quem deseja usufruir o melhor de sua capacidade de liderança deve usar o debate e o consenso como ferramentas efetivas na busca das melhores decisões.
Camila Carvalho é jornalista, especializada em gestão, cultura organizacional e liderança 4.0 e entusiasta da educação corporativa.