Eu posso garantir que nos últimos meses, em pelo menos uma ocasião, você já refletiu sobre esse assunto. Seja orgulhoso por ter percebido a disponibilidade de sua equipe ao contribuir com os dilemas da organização. Seja frustrado por se sentir sozinho e sem o apoio do time. É provável que tenha se perguntado o que fez [ou não fez] para ter [ou não ter] o comprometimento de sua equipe.
A resposta para essa pergunta, como sempre, não é tão simples. E para obter melhores reflexões é importante considerar que são diversos os fatores que influenciam o grau de comprometimento das pessoas, seja para mais ou para menos. Além disso, vale ressaltar, que ele deve ser visto como consequência ou efeito da relação de inúmeros fatores.
Outro ponto também importante é entender que o comprometimento não está apenas no discurso de compromisso, mas também envolve o ato em si, um comportamento visível. Qualquer coisa diferente disso, pode ser entendida mais como complacência do que como comprometimento. E na maioria das vezes o que se vê nas empresas é complacência.
Sabe aquele aceite proforma? feito mais por medo de desagradar e para seguir adiante? Nestes casos, é possível observar discursos de parceria, mas uma prática incoerente e desalinhada. Ou seja, tudo menos envolver-se com os riscos inerentes à parceria. Alguns dicionários etimológicos vão dizer, inclusive, que comprometimento é a promessa ou o compromisso de si mesmo. Forte, não é?
Mas por que o comprometimento é importante para o trabalho?
O Instituto Gallup define como engajado aquele funcionário envolvido, entusiasmado e comprometido com o trabalho e local de trabalho. Ou seja, uma pessoa com engajamento em suas atribuições é um exemplo de comprometimento, dedicação e empenho. Se importa e acredita naquilo que está fazendo em um nível pessoal. Por outro lado, funcionários não engajados enfraquecem as iniciativas gerais da empresa e dificultam até mesmo as melhores estratégias de acontecerem.
Com isso, podemos entender que o comprometimento é um dos pilares para se conquistar o engajamento das pessoas. E este último afeta diretamente os resultados do negócio.
Por exemplo, ainda segundo o Instituto Gallup, além de obter melhores notas de satisfação dos clientes, as companhias com alto índice de engajamento também obtêm índices melhores de produtividade, rentabilidade e vendas, além de uma menor incidência de absenteísmo, acidentes de trabalho, turnver e defeitos em produtos.
Em outro artigo, discorremos sobre esse tema com mais profundidade, se você quiser saber mais sobre a relação entre o engajamento das pessoas e os resultados do negócio, sobretudo, no que tange a satisfação do cliente, clique aqui.
A conclusão que podemos extrair daqui é a de que o comprometimento é fundamental para engajar as pessoas no trabalho. E o engajamento, essencial para potencializar as estratégias e processos, permitindo que se alcancem resultados superiores. Ou seja, é fundamental que tenhamos consciência sobre os aspectos pessoais e do negócio que incentivam ou não o comprometimento das pessoas. Separei alguns destes aspectos na lista abaixo, reflita sobre cada um deles e obtenha melhores resultados nesta jornada.
Você é comprometido com sua equipe?
Feita para agradar ou para evitar conflitos, a complacência só reforça crenças depreciativas sobre as pessoas e sobre o ato de liderar. E mais uma vez, nutre um jogo perigoso e silencioso sobre quem se entrega menos para o trabalho.
A primeira reflexão a ser feita é sobre o seu próprio comprometimento. Não dá pra obter o comprometimento das pessoas sem demonstrar e agir da mesma maneira. Em meu cotidiano, é comum ouvir a reclamação de diversos líderes sobre o comprometimento da equipe, porém, ao questioná-los sobre sua própria performance neste quesito, a maioria deles faz mea culpa e assume que falha neste aspecto.
Não é só uma questão de integridade, mas a coerência e a consistência neste ponto são essenciais. Alinhar discurso e prática, cumprir os combinados, aparecer nas reuniões e nas conversas, ouvir de verdade e atentamente. Os exemplos são inúmeros. Por que esperar das pessoas um comprometimento que você mesmo não entrega?
Parece óbvio, mas você sabe, é bem comum.
O problema é que a falta de comprometimento não mina apenas o comprometimento em si. Com o tempo, equipes desamparadas criam caminhos alternativos para resolver seus problemas e inventam (já que não existe uma versão oficial) alternativas para lidar com seus desafios diários. Ou seja, seu comprometimento é direcionado para outro lugar, outras pessoas, ou até mesmo, outras ideias dentro ou fora da organização.
É neste momento que, alheios à própria falha comportamental, estes líderes precisam do comprometimento do time. Sem a resposta desejada, culpam a equipe pelo vazio nas respostas, pela baixa participação, pelo baixo engajamento nas iniciativas e nos projetos. Quando obtém alguma resposta, se trata de complacência, como dito anteriormente.
Feita para agradar ou para evitar conflitos, a complacência só reforça crenças depreciativas sobre as pessoas e sobre o ato de liderar. E mais uma vez, nutre um jogo perigoso e silencioso sobre quem se entrega menos para o trabalho. Quem sofre é o cliente, a empresa e os resultados. Romper com este ciclo é uma questão de disciplina e ação. Envolve desde a gestão cotidiana até à resolução adequada dos conflitos.
É o líder o primeiro a “definir” o tom do comprometimento em sua equipe.
Você conta com o comprometimento dos outros?
Para obter comprometimento é preciso confiar nas pessoas, entender os estágios naturais da aprendizagem, compreender que o erro é uma parte deste processo e se dedicar como um educador à tarefa de desenvolver o time.
Dia desses, discutindo sobre esse tema com um cliente, falávamos sobre a problemática da participação. Segundo ele, sua equipe não “participava ativamente” das construções da empresa. O que parecia sem motivo aparente, logo revelou ser consequência de anos de centralização e controle excessivos. Um dos comportamentos mais comuns e mais nocivos para o comprometimento.
O maior problema da centralização é que ela tira do outro a oportunidade de aprender e contribuir. Ou seja, de se comprometer! O curioso é que uma das suas origens declaradas é exatamente o medo das pessoas não cumprirem. Com o tempo, é exatamente isso que acontece. Formando-se então um ciclo pernicioso para o negócio, que enfraquece o ambiente de ideias, de contribuição e de participação, além de cultivar o vitimismo e a infantilidade.
Empresas no mundo todo amargam as consequências da centralização, que apesar de ser atribuída apenas ao comportamento individual do líder, é resultado de toda uma estrutura que incentiva, apoia e premia o controle em excesso.
Qual o objetivo de dedicar-se além do esperado ao lado de alguém que, mesmo não abertamente, mal parece um ser humano de tão capaz?
Comprometimento também tem a ver com distribuição adequada de responsabilidades e poder. Acreditar que a centralização é um ato heroico é no mínimo míope, já que não analisa adequadamente suas consequências para o negócio. Para obter comprometimento é preciso confiar nas pessoas, entender os estágios naturais da aprendizagem, compreender que o erro é uma parte deste processo e se dedicar como um educador à tarefa de desenvolver o time.
É seguro se comprometer em sua empresa?
O grau de comprometimento em sua equipe é diretamente proporcional à segurança que sentem para correr riscos no ambiente de trabalho. Isso acontece por que existe uma assimetria entre o risco de se comprometer e o de não fazer nada. Em ambientes cheios de medo e culpa, e em busca de autoproteção, é seguramente mais adequado ficar em silêncio e não se comprometer do que se dedicar e se dar mal.
É fundamental que se criem pilares organizacionais que nutram a segurança psicológica necessária para permitir o comprometimento. Veja, a questão aqui não está mais no âmbito individual apenas, mas envolve os fundamentos da empresa, seu propósito e suas regras implícitas e explícitas também. Uma estrutura que, negligenciada, pode impedir até mesmo os melhores líderes de obterem comprometimento em sua equipe.
Um exemplo disso está na estrutura autocrática comum das empresas, que em vez de ser construída para apoiar o negócio na realização de seu propósito, acaba por atrapalhar as pessoas de se comprometerem com ele. Ou mesmo na cultura de culpa e medo, quando não se enxergam os problemas de forma sistêmica e se busca, a cada falha, o culpado. Comportamento que mina, aos poucos, a disponibilidade das pessoas de se arriscarem em busca de soluções
É por isso que obter o comprometimento das pessoas envolve mais do que mudanças individuais de comportamento. Responsabilizar os líderes, sozinhos, pela obtenção do comprometimento das equipes é, além de insuficiente, inadequado. Em vez disso, é preciso pensar de forma abrangente, modificando as estruturas de negócio que impedem o comprometimento e desenvolvendo relações genuínas e humanizadas.
O seu propósito inspira comprometimento?
O propósito precisa ser descoberto e não definido.
Por fim, nesta lista, quero provocar o que acredito ser um tema bem sensível: A qualidade do propósito da empresa. Importante destacar que não me refiro à qualidade da frase ou mesmo à intenção do propósito, longe disso. O que quero provocar é uma reflexão sobre a genuinidade do propósito. E parto do pressuposto de que o propósito é a melhor definição do papel da organização no mundo, seu legado e sua vocação.
O fato é que observo empresas estabelecerem alvos que se parecem mais com projeções das esperanças, desejos e sonhos dos sócios do que com uma definição genuína sobre o papel da organização no mundo. Como pais super protetores, acabam impedindo a organização de refletir sua verdadeira vocação e determinam de forma autoritária [na melhor das intenções] um propósito que não atrai as pessoas de verdade.
Em outra ponta, estão as empresas que sequer refletem seu papel e vocação. Caminham desenfreadas trabalhando para o desconhecido ou baseadas no achismo. O curioso é que esperam que as pessoas se comprometam com o que não está declarado ou definido. Com o tempo, percebem que trocam tempo por salário, sem nada a mais. Um sistema mais morto do que vivo, onde o trabalho é até feito, mas não gera impacto, muito menos inspira comprometimento.
O propósito precisa ser descoberto e não definido. Uma investigação coletiva realizada pela organização, usando como inspiração sua marca no mercado, suas estratégias, sua história, suas potências e seu potencial de impacto. Desta maneira, será atrativo e inspirador o suficiente para que as pessoas se comprometam com ele, primeiro, por que é parte delas também e, segundo, por que alimenta seu desejo pessoal por realização.
Comprometimento é coisa séria
Como podemos ver, o comprometimento pode ser visto como o resultado de um sistema que nutre e respeita acordos significativos, grandiosos e coerentes. Um sistema que precisa traduzir na prática estes acordos, cultivando ambientes seguros para se correr riscos e para se entregar além do esperado, ou seja, uma governança que facilite o comprometimento.
Sobre estruturas de gestão e governança, falamos recentemente em um Webinar. Além disso, produzimos um Guia sobre como construir estruturas de gestão que suportem a cultura, inclusive de comprometimento. Para conhecer este conteúdo, clique aqui.
Um ponto importante aqui é lembrar que o compromisso é um movimento deliberado, e não pode ser exigido ou forçado pela liderança. Há que se calibrar, ainda, que não se trata de uma entrega total ou do rompimento com os limites do trabalho e da vida particular das pessoas. Isso não é comprometimento, e, novamente, gera mais complacência do que entrega.
Com essa lista, certamente será possível fazer reflexões sobre o que pode estar minando o comprometimento em sua equipe. Porém, mais do que isso, ela trará insights sobre os caminhos que precisam de continuidade e que impactam diversos aspectos do negócio, seja para manter sua relevância, seja para obter melhores resultados. Dedique-se a estes caminhos e, quiçá, verá mais comprometimento em seu negócio.
Anderson Siqueira é CEO e fundador da Consense educação para as relações, especialista em psicologia organizacional e governança corporativa.