
O mundo tem se transformado muito e a nossa capacidade perceptiva tem encontrado cada vez mais dificuldade para lidar com a complexidade dessas mudanças. Dilemas éticos, sociais e ambientais, antes restritos às conversas acadêmicas, ganham cada vez mais espaço e importância dentro das organizações. E apesar do inegável avanço, é cada vez mais importante a organização de modelos de gestão baseados na visão sistêmica, que saibam lidar com a quantidade massiva e complexa de questões que afetam as empresas.
A constituição de modelos colaborativos de trabalho é uma das formas de lidar com essa complexidade. Diversas empresas em nosso caminho têm se mobilizado para criar comitês e estruturas de governança mais integrados, que ajudem a processar a quantidade enorme de informações com as quais a companhia interage diariamente. Porém, a falta de visão sistêmica das equipes e lideranças acaba impedindo tais movimentos de entregar todo o seu potencial.
A matemática das equipes é diferente
Na matemática das equipes, “um + um” não necessariamente resulta “dois”. Pode ser mais ou até menos. Isso acontece por que as pessoas não são recursos mecânicos ou financeiros. São humanas e isso dá às dinâmicas do grupo um componente mais caótico do que ordenado. Não é preciso ir muito longe para se lembrar de situações onde uma simples alteração de humor afetou o trabalho de toda uma equipe. Certo?
O segredo aqui é entender que um sistema não é apenas a soma de suas partes, mas o resultado da qualidade destas diversas conexões. Ou seja, a maneira como as pessoas interagem, os papeis que exercem, a forma como se relacionam e até mesmo sua intenção na realização do trabalho são, essencialmente, frutos das diversas imagens compartilhadas pelo grupo e afetam diretamente a maneira como executam o trabalho juntas.
Veja abaixo dois exemplos bem comuns de falta de visão sistêmica na percepção e na condução do trabalho em equipe.
Aumento de equipe significa aumento de produtividade?
Acreditar que a produtividade é uma equação matemática e que a soma de pessoas no time aumentará proporcionalmente a eficiência é um grave erro. Esse pensamento, além de incrementar os custos faz sombra nos assuntos realmente importantes, como a qualidade dos processos, a clareza dos papeis e a produtividade pessoal propriamente dita.
É comum observar líderes que, com receio de se aventurar nestas discussões ou por suposta falta de tempo, tomam a decisão simplista de aumentar suas equipes. No fim, além de mais improdutividade, somam frustração e ansiedade. Além disso, alimentam uma visão reducionista de que a produtividade é uma habilidade estritamente individual, sem influência da cultura e das estruturas de gestão.
A participação de todos é o único caminho para a colaboração
Outro mito comum é acreditar que para obter colaboração é necessário incluir todo mundo o tempo todo nas construções e decisões da empresa. E, apesar deste pensamento estar alicerçado na mentalidade positiva de que todos têm voz, pode criar um problema ainda maior para a produtividade do trabalho em equipe quando é executado sem a maturidade necessária.
O excesso de participação pode se tornar tão ruim quanto um líder autoritário. Quando tudo precisa ser decidido em conjunto, as pessoas perdem a conexão com seus papeis individuais, os processos decisórios se tornam morosos e truncados e as reuniões se tornam ambientes hostis, com longas discussões e problemas sem solução. No longo prazo, muitos assuntos acabam não sendo discutidos por falta de energia e as ações informais se tornam a regra da dinâmica do time.
Estes e muitos outros problemas encontrados nas empresas têm sua causa primordial no reducionismo. Ele acontece quando líder e equipe não compreendem que fazem parte de um sistema interdependente de trabalho, em que suas ações individuais tanto refletem, como influenciam, a cultura do grupo de forma permanente.
Em outro artigo, falamos um pouco sobre a influência das estruturas de gestão nos resultados. Leia clicando aqui.
Cultivando visão sistêmica no trabalho em equipe
Uma das grandes contribuições de Peter Senge para a administração é a concepção de um modelo de trabalho baseado na aprendizagem do time. Para ele, ao desenvolver uma cultura coletiva de aprendizado, se desenvolve também a capacidade de se processar, coletivamente, as informações com as quais a equipe lida e, desta forma, endereçar soluções mais criativas, que não apenas resolvem os problemas, mas eliminam sua causa raiz.
O fato é que para isso acontecer é necessário desenvolver visão sistêmica, pois apenas uma mentalidade consciente do todo tem a capacidade de se comportar evolutivamente: percebendo, aprendendo e se adaptando. E, num mundo como o que vivemos hoje, é justamente isso que tanto precisam as organizações. Equipes que percebem de forma abrangente, aprendem coletivamente e se adaptam com agilidade às diversas transformações do cenário, mercado e contexto.
Algumas maneiras de começar a desenvolver visão sistêmica no time são realizar conversas significativas sobre as ações e projetos; evitar adotar soluções automáticas, não fugir das conversas difíceis; e desenvolver uma visão ampla sobre os diversos contextos relacionados às coisas do trabalho. Um outro caminho é a utilização dos diversos dilemas diários do trabalho como estudos de caso. Veja o exemplo:
Um dos vendedores do time percebeu que a apresentação comercial não está criando o efeito desejado nos prospects. O natural nas equipes é que essa demanda seja solucionada pelo próprio vendedor ou que o líder decida sozinho o que fazer. Para aprender com isso e desenvolver visão sistêmica, é possível estruturar conversas periódicas que repensem os processos e as atividades de forma que todos possam contribuir com suas boas práticas e perceber que as experiências individuais se relacionam de alguma maneira.
Um outro caminho interessante na busca por uma visão mais sistêmica é a análise de problemas de forma mais ampla, partindo do princípio de que, na maioria das vezes, o problema enfrentado tem sua causa em um local diferente de onde está acontecendo. Dou a você mais um exemplo:
A última pesquisa de clima demonstrou que o moral da equipe está ruim e o próprio líder percebe que o número de tensões entre colegas tem aumentado. Uma decisão baseada na visão reducionista tentará encontrar soluções em conversas sobre motivação pessoal ou em treinamentos sobre trabalho em equipe. Porém, a investigação baseada em visão sistêmica pode chegar à conclusão de que os desgastes são gerados pela falta de clareza entre os diferentes papeis e autonomias do time, um fator não humano que está gerando problemas no fator humano.
Musculação e disciplina
Desenvolver visão sistêmica e combater o reducionismo nas empresas e em suas diversas instâncias não é apenas um modismo ou uma fase. É um dos itens essenciais que garantirá aos negócios ir além da sobrevivência e alcançar o crescimento sustentável e perene que tanto procuram. Porém, trata-se de um exercício diário, que demanda esforço e muita disciplina, pois agir de forma reducionista é mais fácil e pode apresentar resultados aparentes muitos positivos.
É por tudo isso, e mais uma vez, que a colaboração efetiva se mostra uma ótima aliada. Já que todos podem estar atentos ao trabalho oferecido pelo time, apontando quando ele não aconteceu de maneira adequada e encontrando formas criativas de ampliar a visão sobre o cenário, dados, informações, histórico e mercado.
Ainda citando Peter Senge, além do aprendizado, o autor é conhecido por considerar a visão sistêmica uma das disciplinas mais importantes nos negócios. E dizia: Quando as pessoas que estão atuando no sistema começam a se perceber como a fonte de seus problemas, invariavelmente, descobrem uma nova capacidade de criar os resultados que desejam.
Se você quiser ler mais sobre colaboração, clique aqui.
Anderson Siqueira é CEO e fundador da Consense educação para as relações, especialista em psicologia organizacional e governança corporativa.