
Parece uma pergunta simples. Meio estranha, até. Afinal, com exceção daqueles que, infelizmente, são privados fisiologicamente de um sistema auditivo perfeito, todos nós nascemos ouvindo. Diferente da fala, que precisa ser desenvolvida e aprendida durante a primeira infância, a escuta veio no pacote, pronta para ser usada. É intrínseca e subjacente ao dia a dia: está aí, ativa, captando tudo o que está ao nosso redor.
Longe de cair no clichê entre ouvir e escutar (eu admito não saber qual dos dois é o mais “ideal”), o que quero demonstrar aqui é que, para a maioria de nós, o assunto nunca foi muito motivo de análise. Nem pessoal, nem acadêmica, nem corporativa. Afinal, quantos de nós recebemos, nas escolas ou faculdades, aulas sobre o assunto? Aprendemos a falar, escrever, interpretar, argumentar, mas as grades não possuem cursos de escutar.
E tudo ia muito bem até percebermos que isso, na verdade, fazia falta. Com a chegada das falas de Daniel Goleman, Edgar Schein, Daniel Pink, Richard Barrett e outros, descobrimos que o segredo que levaria aos melhores resultados, a novas ideias, a melhores métodos de trabalho – em bom português popular, o chamado pulo do gato – está em questões muito mais humanas do que técnicas. Saber escutar é uma delas.
Já aviso: não é tão simples quanto parece. Como já sabemos, não estava no radar que é preciso tirar tempo e aprender a escutar de verdade. Fomos pegos desprevenidos e criamos algumas armadilhas pelo caminho. Ainda assim, nada está perdido. A complexidade está nos ensinando que o movimento de aprender, desaprender e reaprender nunca termina. Use essa premissa a seu favor e acompanhe abaixo três insights que podem ajudar nesse processo de reciclar seu entendimento sobre o que é e como escutar melhor.
1. Entenda que ouvir é a solução, não o problema
Eis aqui a principal armadilha que muitos, especialmente líderes corporativos, criaram para si: isolar-se da verdadeira escuta. E é curioso pensar que, quanto mais se cresce em uma companhia, mais acesso se deveria ter aos diversos dados que ela possui. Na prática, porém, o que acontece é que a cada degrau na hierarquia, menos informação se chega aos ouvidos, especialmente as que não são positivas.
Todos já vimos ou passamos por um caso assim: uma situação de instabilidade surge, os fatos estavam disponíveis, eram conhecidos por muitos, mas chegaram tarde demais aos ouvidos de quem podia tomar as decisões.
E embora isso soe como um problema das equipes, esta é, na verdade, uma prática cultural de muitos comandantes. Líderes que, revestidos de confiança excessiva e uma visão disfuncional da hierarquia, tomam diversas medidas para que não sejam questionados em caso algum. Feedbacks negativos sobre sua atuação, sobre as estratégias criadas que desempenham como deveriam ou sobre possíveis falhas e erros não chegam. Em 2011, uma pesquisa do jornal britânico Financial Times, realizada com mais de 60 executivos revelou que apenas dois disseram admitir quando cometem falhas graves. O caso é tão sério que foi nomeado como “teatro do sucesso”: colaboradores que apresentam resultados positivos apenas para fugir das devolutivas negacionistas de seus chefes.
A questão é que não escutar não resolve os problemas, apenas os coloca debaixo do tapete. E em algum momento, eles virão à tona e talvez até potencializados pelo tempo em silêncio. Além disso, a ausência desse canal aberto não permite o compartilhamento de ideias e insights que poderiam fazer bem ao negócio. Veja a história de Ray Dalio, fundador da Bridgewater Associates. Em 1993, na retomada ascendente do negócio, Dalio foi surpreendido com uma carta vinda de seus principais executivos a respeito de sua gestão colérica e prejudicial ao ambiente de trabalho. Sua escuta ativa o permitiu realizar mudanças que tornaram a Bridgewater um dos fundos de investimento mais conhecidos do mundo. Além de ter se tornado uma espécie de guru corporativo com o lançamento de seu livro Princípios, em 2017.
Portanto, encare de frente a necessidade de escutar o que está acontecendo ao seu redor.
2. Crie canais de escuta
Assim que nos tornamos dispostos a abraçar a oportunidade de receber insumos informacionais mais fidedignos, o próximo passo é processualizar a decisão. Não basta apenas querer escutar, é necessário criar ambiente e cadência que permitam às informações chegarem com sucesso até você. E elas virão de todos os lugares: do mercado, dos colaboradores, dos clientes, dos fornecedores e da sociedade. Às vezes serão falas prontas e completas, às vezes, insights que vão requerer novas perguntas. Criar um processo de recepção e análise de informações é o que garantirá o filtro do que vale a pena utilizar ou descartar. No item bônus deste texto você encontrará algumas práticas realizadas por líderes ao redor do mundo com o intuito de aprimorar seus métodos de escuta.
Dentro das inúmeras práticas voltadas para a gestão interna, gostaria de reforçar duas que considero essenciais. A primeira delas é a necessidade da presença. Não é possível escutar atentamente quando oito outras vozes lutam para chamar a atenção dentro de nossas cabeças. Permita-se atentar a uma coisa de cada vez, sem pressa. Reorganize sua mente (e sua agenda) de forma que, quando precisar conversar com alguém, esteja ali 100%. E uma sugestão: que tal começar pelas reuniões que já existem no seu dia a dia? Sei que nem sempre a prática será perfeita, mas só a decisão de tornar isso uma meta, já fará diferença.
A segunda está na importância de entender o conceito e aplicar métodos para aumentar os níveis de segurança psicológica do time, ou seja, a capacidade das pessoas de correr riscos interpessoais para ter as conversas difíceis necessárias. Comunicação é um processo que envolve uma via de mão dupla, portanto, desenvolver a escuta atenta e presente será um gatilho para que os demais se sintam à vontade para falar.
Para saber mais sobre segurança psicológica, acesse nossos diversos artigos sobre o tema. Separei uma seleção deles aqui neste link.
Lembrando, que isso também vale para o mundo virtual. Em uma fase como a que estamos – aprendendo a transitar entre trabalhos híbridos ou totalmente distantes – é preciso ser verdadeiramente intencional na coleta de informações e no desenvolvimento de um ambiente aberto para as conversas. Afinal, o lounge do cafezinho, o happy hour após o expediente, ou aquela conversa surpresa de corredor não estão mais disponíveis com tanta facilidade.
3. Prove às pessoas que você as escuta
Sei que já falei bastante até aqui. Quase 1100 palavras. Assim, gostaria de fechar este texto com palavras que não me pertencem. Em uma série especial para o TED sobre engajamento e felicidade no trabalho, e atual CEO do Great Place To Work, Michael C. Bush, reafirma a importância de, entendido o desafio e criados os canais receptores, gerenciar um sistema de escuta que vá além da captação de informações:
“Todos nós aprendemos sobre escuta ativa e manter contato visual: um olhar fixo, intenso e compassivo, não é escutar. Repetir o que a pessoa diz não é escutar. Ser humilde e sempre buscar a melhor ideia possível, isso sim é escutar. E os colaboradores podem perceber se você está fazendo isso ou não.
Eles querem saber ao conversarem com você e compartilharem uma ideia se você a considerou quando tomou uma decisão. A única coisa que todos apreciam e querem quando estão falando é saber que o que estão dizendo importará tanto a ponto de você realmente mudar de ideia. Caso contrário, para que conversar?”
As palavras de Bush mexeram comigo, pois me reconheci nelas. Como liderada, amiga, líder, filha, colaboradora, mulher. Como humana. No final, cada um de nós não deseja ser simplesmente escutado, e sim considerado. Queremos concluir que o que dizemos importa e pesa nas decisões que outras pessoas tomam. Então, caso você assuma a empreitada de ouvir mais e melhor, assuma o compromisso de dar feedback sobre o que está escutando. Não há mal em explicar por que a ideia dada não parece ser o melhor caminho, que o contexto ou a resposta não se aplicam à realidade. É conversando que a gente se escuta e se entende.
Bônus: Ouça o que a experiência diz
No livro The CEO test: master the challenges that make or break all leaders (O teste do CEO: domine os desafios que constroem ou destroem todos os líderes, em tradução livre), Adam Bryant e Kevin Sharer, relatam, além da própria história de Sharer, aprendizados e dicas práticas vindas de entrevistas com mais de 600 CEOs e outros líderes. Confira alguns delas a seguir:
Ouça sem julgamento ou agenda
“Você não pode ter agenda própria enquanto escuta. (…) Neste caso, o que você faz é formular respostas em vez de processar o que diz o interlocutor. Fique atento.”
Joel Peterson, Peterson Partners
Proteja-se contra pontos cegos
“Se você não criou uma cultura ou um ambiente em que as pessoas se sintam à vontade para desafiá-lo como líder, você está em situação muito perigosa, porque terá pontos cegos.”
Kelly Grier, da Ernst & Young
Retire a ênfase da hierarquia
“A hierarquia é um mal necessário na gestão da complexidade, mas não está, de forma alguma, relacionada com o respeito que você demonstra ao indivíduo.”
Mark Templeto, Citrix
Dê à sua equipe permissão de compartilhar as más notícias
“Muitas vezes, as pessoas simplesmente não lhe dão todos os detalhes porque não querem dizer coisas que você não quer escutar. Isso me preocupa muito. Autorize-as a lhe dar as más notícias.”
Penny Pritzker, secretaria de comércio dos EUA
Crie um sistema de alerta precoce
“Se você recebe más notícias logo cedo, pode reagir rápido, e este tempo de reação é precioso.”
Anand Chandrasekher, Aira Technologies
Valorize as realizações de sua equipe
“Se você não insistir que somos capazes de mudar as coisas, elas [as pessoas] desistirão antes de começar. A maioria das empresas operou uma enormidade de mudanças. Tudo que você tem a fazer é ajudar suas equipes a perceber isso.”
Paul Kenward, British Sugar
Dica: O aprofundamento do relato de Sherer e dos demais líderes também pode ser encontrado com maior profundidade no artigo, Are You Really Listening?, da Harvard Business Review.
Camila Carvalho é jornalista, especializada em gestão, cultura organizacional e liderança 4.0 e entusiasta da educação corporativa.