De tempos em tempos, somos procurados por empresas que reclamam da desmotivação de seus colaboradores. Falta garra, alegria, paixão e sobra preocupação e frustração em gerentes e diretores. Eles vêm até nós a procura de algo que possa ajudá-los a desvendar o mistério que parece pairar sobre o assunto. Poucos conectam estes problemas à falta de paixão e propósito, e é sobre isso que vamos falar aqui.
Este é mais um artigo de nossa série de artigos sobre fracasso nos negócios, baseados nas pesquisas do SEBRAE que indicam os principais motivos de fracasso de empresas nos primeiros cinco anos. Neste, falarei sobre a falta de paixão e propósito como um destes motivos, para conhecer os outros, clique aqui.
Esta semana conversei com uma gestora que não conseguia entender o que alimentava a saída constante de pessoas de seu time, mesmo investindo em treinamentos e benefícios, via que faltava algo para fazer os talentos ficarem.
Com frequência, essa investigação não precisa ir muito longe para descobrir que este é, na verdade, apenas um sintoma de outros problemas mais profundos. Um deles é a falta de um propósito comum, que seja vibrante e claro para todos. A falta deste gera desnorteio na equipe, diminuindo sua produtividade, capacidade de melhor entrega e, por muitas vezes, aumentando índices como turnover e absenteísmo.
Quando uma frase não é mais suficiente
Já repeti isso mais vezes do que as que me lembro para contar, mas vamos colocar mais uma na conta: com a era da pós-modernidade e internet das coisas, nosso tipo de ofício mudou. O trabalho industrial, que não requeria nada além da habilidade técnica e do cumprimento de padrões, deu espaço ao trabalho que exige solução de problemas complexos, inovação e criatividade. Porém, as formas de recompensa não acompanharam o movimento e permanecem, em sua maioria, as mesmas.
Inevitavelmente, a conta não fecha.
Foi neste contexto que a pandemia de COVID-19 tornou-se catalizadora de um ecossistema já delicado. O fato de sermos forçados a permanecer em casa, reinventar métodos de trabalho, manter e alimentar relacionamentos em formatos para além dos presenciais e, infelizmente, perder pessoas queridas fez com que todos nós – ou a maioria esmagadora – tivéssemos a chance de rever conceitos e perspectivas básicas sobre prioridades e futuro.
Agora, com a chegada efetiva das vacinas e a possibilidade de volta às rotinas, nem todos estão dispostos à encarar e readequar-se aos antigos métodos e modos. Queremos equilibrar mais a vida e o trabalho, ter a oportunidade de estar com quem amamos, entregar nossas habilidades e tempo às causas que acreditamos. Uma pesquisa realizada pelo The Work Trend Index, em março, descobriu que 41% dos respondentes consideravam trocar de emprego nos próximos meses. Nos Estados Unidos o assunto virou sério a ponto de ter um nome próprio “The Great Resignation” ou a Grande Renúncia, termo cunhado pelo pesquisador e especialista em psicologia organizacional, Anthony Klotz.
Para Klotz são quatro os principais motivos dessa mudança: o acúmulo de transições não realizadas em 2020 por conta da insegurança gerada, o esgotamento do trabalho, epifanias ou momentos de revelação e a ampliação do trabalho remoto. Sobre o terceiro, afirma: “Com a pandemia, quase todos nós sofremos um impacto que nos fez reavaliar nossas vidas. Tantas pessoas tiveram essas epifanias! Algumas perceberam que querem ficar mais tempo com sua família; outras agora sentem que seu trabalho não é tão importante quanto pensavam, ou querem abrir seu próprio negócio (…) Muitas pessoas estão considerando fazer mudanças em suas vidas, e isso muitas vezes significa mudar suas carreiras.” (Leia a entrevista completa em: Por que trabalhadores nos EUA estão pedindo demissão em ritmo recorde | Mundo | G1)
Pode até parecer que desviei do assunto principal, mas acredite quando digo que estes dados apenas reforçam o caso apresentado. Quando as evidências da primeira mudança de cenário surgiram, muitos negócios iniciaram uma jornada na busca de serem e trazerem visões mais direcionadas por propósito. Missão, visão e valores ficaram mais à superfície, de modo a serem vistos mais concretamente por todos os stakeholders.
Porém, frases ou palavras-chaves em assinaturas de e-mails, quadros nas paredes e, mais recentemente, papeis de parede para videoconferências não são mais suficientes. Mais do que as próprias empresas, hoje, colaboradores são direcionados por propósito.
Delimitando propósito
Assim, para que um negócio se mantenha saudável e relevante, é preciso considerar este novo modelo e focar em algo que seja propulsor da superação constante de desafios internos e externos na busca por novos resultados. Não só para a companhia e seus colaboradores, mas para a sociedade e o futuro.
Dentro da Consense, o melhor significado que encontramos para propósito foi a palavra sentido, por sua dupla significação: a expressão de caminho – em qual sentido vamos – e de significado – por qual motivo vamos. Somadas, estas duas respostas geram resultados expressivos para o negócio e garantem uma força de trabalho mais conectada e disponível.
O propósito como combustível
Quando bem definido e bem comunicado, o propósito é fonte de engajamento, pertencimento e realização, tanto para os decisores do negócio como para o corpo de colaboradores. Dentro de situações-limite, estresse ou mesmo na rotina de trabalho, a sensação do algo maior, do “meu trabalho importa” e a visão de contribuição com a sociedade são uma das válvula de escape que as pessoas procuram.
O relatório Edelman Trust Barometer Special Report: The Belief-Driven Employee (em tradução livre: o colaborador movido por crenças) confirma isso. A pesquisa foi realizada com 7 mil colaboradores espalhados sete países/regiões – Alemanha, Brasil, China, Estados Unidos, Índia, Japão e Reino Unido.
Dentre os muitos dados relevantes que podem ser citados, 59% dos respondentes afirmam que saíram de seus empregos procurando oportunidades que tivessem melhor ajuste aos seus próprios valores e 7 em cada 10 esperam que seus trabalhos ofereçam impacto social. No Brasil, 89% dos pesquisados afirmaram a expectativa de que seus empregadores tomem medidas em relação a questões políticas e sociais.
Assim, é preciso olhar questões como desmotivação e pouco engajamento de forma mais ampla, completa e complexa. Foi-se o tempo onde aumentar salários e entregar promessas de cargos mais altos era suficiente para receber de volta o melhor da criatividade ou da entrega humana. Pessoas, dentro ou fora do mercado de trabalho, querem estar conectadas com o que realmente importa para elas e acreditam que as empresas são parte da resposta às causas que a sociedade enfrenta.
No livro Motivação 3.0, Daniel Pink nos dá alguns exemplos históricos e pragmáticos. Acredito que você esteja familiarizado com a Wikipedia. Esta enciclopédia online é um dos produtos mais conhecidos do crowdsourcing, um processo de desenvolvimento de serviços, ideias ou conteúdos mediante contribuição voluntária. E o que dizer do Linux? O sistema operacional favorito dos desenvolvedores foi em sua grande maioria desenvolvido de forma colaborativa e gratuita. Além das inúmeras campanhas de crowdfunding que recebemos quase que diariamente via whatsapp e e-mails.
O mais interessante é analisarmos que há algumas décadas atrás, qualquer administrador ou economista diria que iniciativas como estas estariam fadadas ao fracasso. Não havia dinheiro, posição corporativa ou nenhuma outra recompensa envolvida além da oportunidade de contribuição ou colaboração. Mas, existia propósito.
O propósito como bússola
Além disso, não podemos esquecer do viés extremamente estratégico que um propósito bem definido assume em qualquer negócio, apoiando a escolha, desenvolvimento e implantação de ideias, táticas, serviços e produtos. Na empresa saudável, a missão se torna em visão, ou seja, estabelecido o alvo, é possível determinar o caminho. É expressivo o aumento de empresas exibindo de forma clara seus porquês, especialmente os que vão além dos ganhos financeiros.
Veja exemplos de algumas das companhias que conhecemos e consumimos em nosso dia a dia:
- Google: “organizar as informações do mundo todo e torná-las universalmente acessíveis e úteis”.
- Nike: “Inspirar e trazer inovação para todos os atletas do mundo. Se você tem um corpo, você é um atleta.”
- Coca-cola: “Refrescar o mundo em corpo, mente e espírito. Inspirar momentos de otimismo por meio de nossas marcas e ações.”
- Apple: “Mudar o mundo e a forma como as pessoas se comunicam”.
- Itaú: “Estimular o poder de transformação das pessoas”.
- Disney: “Fazer as pessoas felizes”.
- Havaianas: “Levar a alegria de viver do brasileiro”
Importante destacar que o objetivo aqui não é avaliar o quanto as empresas cumprem esses propósitos, mas quanta clareza eles podem trazer para a execução de todas as atividades. Diante desse prisma, é possível entender a diversidade de estratégias, de tipos de relacionamento com os diversos públicos de interesse e até de produtos desenvolvidos direcionados por essa decisão.
Algo importante a reforçar: por definição, propósito não é autocentrado. Ele não existe para suprir um desejo ou necessidade interna, seja do líder ou da companhia. Isto é carência. O sentido vai para fora, para algo ou alguém maior que nós mesmos. Quando atuamos em algo que alimenta apenas nossa própria vontade ou desejo, a propulsão tem tempo e alcance limitado.
Isto não é privilégio das grandes companhias. Qualquer negócio pode criar um propósito, viver lastreado em suas premissas, empenhando-se para que todos os envolvidos busquem a mesma direção com a mesma energia. É imperativo que cada um de nós, empreendedores, ao entrarmos no novo salto de desenvolvimento do trabalho e a consolidação dos modelos híbridos possamos entender que a equipe de trabalho espera clareza nos motivos e perspectivas do negócios onde investem boa parte de seus dias. Onde há clareza de direção, sentido e participação, não há necessidade de convencimento: quem compartilhar dos mesmos já estará convencido.
Para sintetizar: Propósito não é slogan. Embora possa ser bonito de ser visto, é ainda mais de ser vivido. E, mais do que nunca, é ele quem fará sua equipe permanecer e prosperar.
Camila Carvalho é jornalista, especializada em gestão, cultura organizacional e liderança 4.0 e entusiasta da educação corporativa.