Uma provocação: você sabia que o autoconhecimento em si não é suficiente. É apenas a metade da história e pode ser até um problema sem uma habilidade igualmente importante: a autogestão.
Uma pesquisa realizada recentemente pela Revelo, startup de recursos humanos, mostrou quais são as principais competências exigidas pelas empresas neste período de pós pandemia. O trabalho identificou que os cinco comportamentos mais buscados estão muito conectados com o momento que vivemos. Além de competências como comunicação assertiva, empatia, resolução de problemas e relação interpessoal, está lá a autogestão.
Segundo a empresa, a busca pela autogestão (ou autogerenciamento) está ligada à mudança de perspectiva das empresas na cobrança pelos resultados. Para eles, o fato de a quarentena ter obrigado as pessoas a trabalharem sozinhas, sem seus chefes por perto, criou a necessidade de se desenvolver a capacidade de gerenciar seus hábitos e carga de trabalho de maneira mais autônoma. Com a perspectiva de mudança radical na distribuição do trabalho, faz sentido que as empresas se preocupem em procurar profissionais que se encaixem neste perfil daqui pra frente.
O mais curioso é que a autogestão tem características opostas ao sistema no qual a maioria das empresas operam. Grande parte baseada no controle excessivo, em estruturas de gestão autocráticas e, mais, em ambientes competitivos e sem segurança psicológica. E, além disso, há que se considerar que a maioria das pessoas e empresas ainda estão vivendo as consequências de um período que afetou a saúde mental de todos os níveis hierárquicos, segmentos e mercados. Inclusive, você pode ver mais sobre isso na pesquisa que fizemos, clicando aqui.
Mas o que é autogestão?
Para nós, a autogestão é uma escolha consciente de resistir a uma preferência ou hábito e, no lugar, demonstrar um comportamento mais produtivo. Uma visão alinhada com um dos pilares da Inteligência Emocional, o autocontrole, e fundamental para dar às pessoas a capacidade de resistir aos chamados “sequestros emocionais”.
Imagine o seguinte cenário:
Você está em casa fazendo o seu trabalho remoto como imagina ser o melhor jeito de fazê-lo. Além de organizar sua rotina, é preciso organizar também sua casa e apoiar sua família. Em uma reunião online com seu líder recebe o feedback de que tem falado excessivamente nas reuniões, impedindo que outros possam contribuir de maneira mais efetiva. Você sabe disso, concorda com o feedback e promete se policiar.
Após algumas semanas, em uma nova reunião de feedback, seu chefe repete o apontamento e, após análise, você percebe que suas falas nas reuniões representam mais de 40% do total. E, apesar de seus esforços pessoais, não consegue diminuir ou organizar-se para mudar.
Eu tenho certeza de que você deve se lembrar de inúmeras situações em que sabe profundamente o que precisa mudar, mas tem dificuldade de fazê-lo. Um clássico exemplo sobre quando existe autoconsciência, mas não se é tão eficaz quanto poderia por não existir autogestão. Um combo de competências essenciais, mas que devem ser desenvolvidas em conjunto, pois sozinhas não são capazes de entregar nosso melhor potencial.
Como desenvolver a autogestão?
A autogestão é difícil por que a maioria dos comportamentos produtivos e eficientes são contrários aos nossos hábitos e crenças. Se fosse diferente, não seria necessário se autogerenciar ou autocontrolar. E é por isso que essa competência é tão valorizada neste momento, pois trabalhar em casa é um desafio para a maioria das pessoas.
Comportar-se em desacordo com suas preferências naturais pode fazer você se sentir desconfortável, como no exemplo que eu dei: “Eu sempre quero apresentar minhas opiniões e perspectivas. Não me sinto bem em guardar ou não falar” ou “Não gosto de abrir a câmera em uma reunião, mesmo ciente da importância disso”. Pode também fazer você se sentir inapto: “Não sei como dar respostas feedback negativo” ou “Não consigo organizar minha agenda de forma alinhada com meus pares”. E, também, desagradável: “Gosto de ser direto e fico impaciente quando tenho que escolher minhas palavras com cuidado”
Esse é o maior desafio da autogestão, pois os comportamentos não habituais exigem que pensemos sobre uma situação, consideremos escolhas, façamos uma escolha e então demonstremos o comportamento que se alinha com essa escolha. Isso dá trabalho! A eficiência do nosso piloto automático de hábitos é o que os torna tão difíceis de mudar. É difícil investir energia na criação de um novo hábito.
Apesar disso, quero deixar algumas dicas para ajudar você nesta jornada. Como falamos em textos anteriores, tudo começa com o autoconhecimento e, com ele, gerenciar a si mesmo torna-se mais fácil. A coach executiva Jennifer Porter, sócia do The Boda Group, criou uma lista de ações possíveis na melhoria da competência de autogestão. São seis passos, que relato a seguir para você:
Decida o que você quer autogerenciar
Preste atenção em como você opera normalmente [o que diz e faz e o que não diz e não faz]. Identifique os casos em que sua abordagem atual não está funcionando tão bem e onde o autogerenciamento pode ser útil. Por exemplo, talvez, você também fale demais nas reuniões.
Observe e reflita sobre o que está impulsionando sua falta de autogestão
Naqueles momentos em que você não está se auto gerenciando, mas gostaria de, observe como se sente, o que deseja e como está interpretando o que está acontecendo ao seu redor. O que está inspirando suas ações? É falta de consciência no momento, querer ter uma boa aparência, falta de habilidade, insegurança ou outra coisa?
Se você fala demais nas reuniões, por exemplo, pense por que faz isso. Talvez goste demais de suas próprias ideias ou nunca lhe ocorreu que deveria falar menos. Quem é muito focado em ações pode ser tentado a pular esta etapa de reflexão e ir direto para o planejamento e a prática – mas não faça isso. Entender por que fazemos as escolhas que fazemos é crucial para mudar essas escolhas.
Considere suas escolhas e suas reações a essas escolhas
Em vez de seu comportamento padrão, se você fosse um bom gerente de si mesmo, o que mais poderia fazer? Qual é a sua reação a essas opções? Observe como suas preferências e hábitos aparecem aqui, e pergunte-se: o que você está tentando evitar quando adota esses hábitos e preferências?
Seguindo o exemplo de falar demais nas reuniões, uma opção que você pode considerar é esperar que os outros falem antes de apresentar sua perspectiva. Agora, considere sua reação a essa opção. Você tem medo de que outra pessoa demonstre seu ponto de vista e acabe não recebendo o crédito por isso, ou que outros não tenham ideias tão relevantes quanto as suas e uma má decisão seja tomada?
Faça um plano
Agora que você sabe o que quer mudar, entende melhor o que o motiva e identificou opções, pense nas etapas concretas que pode tomar. Se você fala demais, seu plano pode incluir decidir quantas vezes você falará em uma reunião e por quanto tempo, ou em quais reuniões você apenas ouvirá e não falará.
Pratique
Velhos hábitos estão embutidos em nós. Para mudá-los, precisamos criar novos e isso requer prática. Se seguirmos o exemplo de falar demais em reuniões, a prática pode parecer como contar seus comentários e parar quando atingir o máximo estipulado – mesmo que tenha apenas mais uma coisa muito importante a dizer.
Faça isso repetidamente até que seja capaz de autogerir esse comportamento de forma consistente. Ao mesmo tempo, explore suas reações à prática. O que pode aprender com o que está fazendo e como está reagindo?
Repita o processo
Volte para a etapa dois e observe seus esforços, reflita sobre suas escolhas, revise o plano e pratique um pouco mais. Em cada iteração sucessiva, aprenderá um pouco mais sobre como está operando, o que está impulsionando seu comportamento e como você pode melhorá-lo.
Questão de integridade
Muitos problemas nas empresas são resultado de comportamentos impulsivos ou inconscientes. As pessoas não se planejam para errar em uma projeção financeira ou para roubar a cena em uma reunião. E é justamente por isso que, apesar de fundamental, o autoconhecimento não é suficiente para nos tornar profissionais de excelência.
A autoconsciência nos faz saber mais sobre nossos pontos fortes, personalidade, fraquezas, sentimentos, emoções, ideais e hábitos. Uma competência fundamental para líderes que desejam executar um trabalho primoroso e único. Porém, tal conhecimento traz consigo grandes responsabilidades, já que uma prática em desacordo significa incoerência e desalinhamento.
É por tudo isso que o exercício da autogestão também pode ampliar a integridade, que não é apenas uma virtude pessoal, mas uma grande força organizacional e cultural para lidar com um mundo em constante mudança e cheio de incertezas. Meu convite é para que você comece a jornada completa, se conhecendo profundamente e constantemente e, paralelamente, exercitando a autogestão.
Para continuar no flow:
Caso queira falar mais sobre isso, conheça nosso programa de Autoconhecimento e liderança, que acontecerá em Novembro/20. Nele, além da aplicação do MBTI, apoiaremos o desenvolvimento de autoconhecimento e autogestão. Saiba mais, clicando aqui.
Anderson Siqueira é CEO e fundador da Consense educação para as relações, especialista em psicologia organizacional e governança corporativa.