Sim, eu sei que você provavelmente lembrou de um famoso marketplace brasileiro. Não, não vamos falar sobre 5 dicas de como se desfazer das coisas que estão entulhando seu guarda-roupa. Vamos conversar sobre desapego nos negócios. Talvez soe estranho, mas acredito ser um dos assuntos mais importantes do dia a dia de um negócio.
Quando foi a última vez que você questionou seu portfólio de produtos e serviços ou os processos existentes na empresa onde atua? Mas, antes que você responda, vou refinar a pergunta: quando foi a última vez que você questionou de fato todas as estruturas, inclusive aquelas que aparentemente, estão performando de forma adequada?
Nosso olhar tende a encontrar facilmente os erros, as incoerências, não conformidades e colocar a resolução das mesmas como item prioritário. Porém, se tivermos a coragem de analisar mais profundamente e de forma ampla, é possível que encontremos práticas realizadas por anos e anos a fio apenas por hábito e não por resultados efetivos; itens que se tornaram prioridade diante de um determinado cenário ultrapassado; esforço de tempo, competência e energia em projetos que não combinam com quem somos hoje ou quem pretendemos ser, corporativa e individualmente. Mantemos o que é habitual, e, por consequência, confortável. E, embora seja clichê dizer, muito daquilo que esperamos ser está além do conforto.
Abandono [ou desapego] organizado
Sendo assim, quero compartilhar com você um conceito criado por Peter Drucker durante os anos 80, o abandono organizado. Uma política que determina que um negócio periodicamente revisite todas as suas estruturas em busca das práticas, processos, produtos ou serviços, estratégias e demais sistemas que não façam mais sentido na visão ou cenário de longo prazo.
No Livro Managing in Turbulent Times (Administração em tempos turbulentos), Drucker afirma: “um navio que passa longos períodos no mar precisa ser limpo de suas cracas ou isso o privará de velocidade e capacidade de manobra. Uma empresa que navegou em águas calmas por muito tempo também precisa se purificar dos produtos, serviços, empreendimentos que se tornaram ‘ontem’.
A primeira coisa a entender sobre o conceito é que ele não foi desenhado para crises ou erros. Como disse antes, é fácil notar, analisar e decidir descartar algo que está dando prejuízos, enfurecendo clientes ou diminuindo drasticamente os resultados. O abandono organizado deve estar presente nos momentos de prosperidade da companhia, pois é justamente aí que tendemos a “baixar a guarda” e permitir que as coisas aconteçam de forma mais automática e menos intencional.
Como vivenciar este desapego de uma forma correta, que não deixa de honrar o legado criado até ali, mas abre espaço para o futuro? Em primeiro lugar, atrevo-me a dizer, é preciso humildade e coragem. A primeira das duas, interna, nos permite entender que por mais que sejam sinceras nossas boas intenções, teremos de reconhecer a oportunidade de mudança. Ideias e estratégias (mesmo as nossas) podem ter sido boas e funcionais antes, mas não o são agora. A segunda, externa, nos permitirá tomar as ações necessárias para abandonar o passado e buscar efetivamente o futuro.
Passado este primeiro processo, é necessário criar tempo e espaço para estas discussões, seja de forma individual ou coletiva, de acordo com a grandeza e necessidade da decisão a ser tomada. Drucker sugere que para cada produto, processo ou serviço seja feita a seguinte pergunta: Se não estivéssemos já envolvidos nisto, com o conhecimento que temos agora, nós o faríamos hoje? Se a resposta for não, é o momento de criar um plano de ação para o desapego.
Nas palavras do próprio Drucker, “isso inclui os produtos ou serviços que não contribuem mais, as aquisições ou empreendimentos que pareciam tão atraentes quando começados, mas agora, cinco anos depois, ainda são apenas esperanças; as ideias inteligentes que não se transformaram em performance; os produtos e serviços cuja necessidade desapareceu com a mudança social ou econômica ou que se tornaram obsoletos ao atingir seus objetivos”. Decisões difíceis, porém, necessárias para o crescimento sustentável.
Questão de de manter a relevância
A partir daí, o plano de ação consiste em entender como é possível limitar recursos e energia em tudo que recebeu não como resposta no curto, médio e longo prazo. E, sim, sabemos que nem tudo é abandonável. O próprio professor admite que nem sempre é possível desapegar completamente. “Às vezes o abandono não é a resposta, ou até mesmo possível. (…) Mas ao menos limita os esforços adicionais e garante que o que é mais produtivo não seja devorado pelo ontem”.
Por fim, é importante frisar que o abandono organizado não é desistência ou impulsividade, mas sim a adoção de um mecanismo honesto, transparente e constante de revisão, que permite que apenas aquilo que é essencial e relevante permaneça dentro da companhia. Todo princípio essencial pode e deve ser mantido, mas mesmo itens altamente norteadores como propósito e valores devem ser analisados e, caso necessário, atualizados periodicamente em sua forma de atuação.
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“Se quisermos permanecer focados na missão, como devemos fazer se quisermos ser relevantes em uma época de incertezas, abandonar as coisas que não promovem a missão é um imperativo de liderança”. Esta frase foi declarada por Frances Hesselbein, ex-CEO da Girl Scouts e considerada por Drucker uma das melhores executivas dos Estados Unidos. Se você já ouviu, de nós e de outros, que estamos em uma era de constante mudança e aceleração, esta prática pode garantir o combustível que leva negócios para o futuro de forma íntegra.
Talvez o espaço que sua empresa precisa para crescer e inovar está escondido bem ali, no famoso quartinho da bagunça.
Um abraço,
Camila Carvalho
Camila é jornalista e especialista em educação corporativa. Atua como educadora em temas como experiência do cliente, cultura e desenvolvimento organizacional, possui experiência na construção de processos organizacionais de alta performance e em sistemas de tomada de decisão alinhados e participativos.
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