A contratação de líderes é um acontecimento comum no cotidiano das empresas. Porém, traz consigo uma série de expectativas que podem transformar uma simples expansão do quadro num martírio para as equipes que serão gerenciadas ou mesmo para a organização como um todo. E, dentre os inúmeros fatores que determinam o sucesso de uma contratação, quero destacar aqui o contexto no qual essas novas lideranças são inseridas e como o seu aprendizado é conduzido dentro da empresa.
Digo isso por que algumas empresas recebem as novas lideranças com uma expectativa desajustada à sua real capacidade imediata de entrega. Um comportamento que acaba gerando impactos perigosos para o negócio. Tanto no curto quanto no médio ou longo prazo.
Siga a leitura, e veja se já vivenciou alguma destas situações:
A contratação “afoga ou nada”?
Como um professor de natação displicente, alguns gestores acreditam que as pessoas aprendem sozinhas e “na raça”. Ou pior, que seus currículos garantem uma entrega primorosa e conectada com as expectativas e cultura do novo local de trabalho. A esse fenômeno, estabelecem-se dois caminhos: se o líder aprender, ele nada; caso contrário, ele se afoga. Quando o profissional consegue nadar, segue caminho na organização. Quando ele se afoga, é demitido em um contexto rancoroso e, claro, tido como incompetente.
É importante saber que nas duas situações quem perde é a empresa, o cliente e os resultados.
Quando se aprende a nadar, perde-se tempo de qualidade, cria-se rupturas na cultura já comprometida, desprende-se esforço e energia vitais que poderiam ser canalizadas de forma mais inteligente é sistêmica.
Quando não se aprende, além de tudo isso, se reforça o mal comportamento de acreditar que as pessoas estão prontas e que a responsabilidade de aprender é 100% do funcionário, sem parcela alguma de participação da empresa e dos executivos líderes.
Integração, transição ou incorporação de empregados é assunto sério e responsabilidade que vai além do trabalho do RH. Aprender é uma ciência complexa e profunda que exige dedicação e disciplina. Todo barco sai do prumo quando um novo integrante entra e isso precisa ser previsto pelos outros com destreza e paciência. Além disso, a falta de atenção a estas questões tem a capacidade de, pouco a pouco, criar uma cultura individualista, egoísta e competitiva. Comportamentos completamente nocivos para conquistas sustentáveis e de longo prazo.
Você pode ler mais sobre como a jornada do colaborador afeta os resultados neste outro artigo escrito recentemente. Acesse aqui.
O líder que veio para salvador a pátria
Gosto dessa metáfora, pois ilustra muito bem o resultado da contratação de líderes em estruturas que valorizam a competição e o territorialismo. Tais companhias, recebem os novos líderes como Jerusalém recebeu Jesus, ou seja, no auge de sua popularidade, com pompa e muita admiração.
Como sabemos, tal cenário dura pouco e – diferente do que acontece na Bíblia – tais mimos criam em alguns dos novos profissionais uma imensa energia de poder, expectativas autocentradas e estritamente mercantis. Ao mesmo tempo, nas equipes, geram conformismo e vitimismo, a típica espera pela salvação.
Vejo, diariamente, novos contratados descerem da glória diretamente para o Calvário, crucificados pela mesma multidão que os celebrou e endeusou. Período de grande tristeza, perda de foco, rancor e, em alguns casos, fim de parceria.
Salvadores não existem no mundo das empresas. A cultura do gênio isolado e dotado de uma capacidade transcendental é nociva e mentirosa. Talentos notáveis são possíveis, mas não devem assumir a responsabilidade da companhia de produzir os resultados que precisam ser produzidos coletivamente. E isso se dá ao fato de que as empresas precisam se enxergar como organismos coletivos, ou seja, que aprendem e agem em equipe.
Também escrevemos recentemente um artigo sobre como gerenciar a colaboração de forma estratégica dentro da companhia. Para acessar, clique aqui.
Como dito no início do texto, é imprescindível ajustar a expectativa em relação a entrada de um novo profissional na equipe. Pessoas aprendem de maneiras diferentes e seu papel não pode ser confundido com um milagre que, paradoxalmente, retira dos outros a oportunidade e dever de entregar. Em geral, esta expectativa é criada justamente pela ausência de resultados e de uma cultura colaborativa. Um verdadeiro contrassenso, perigoso e insustentável.
Sendo assim, cuidado. Concentre-se em transformar sua empresa em um organismo vivo, conectado e que aprende coletivamente. As pessoas de dentro, as novas e, principalmente, os líderes de todos os níveis, devem ser vistos como parte desse conjunto. Qualquer coisa fora disso mais atrapalha do que contribui.
Anderson Siqueira é CEO e fundador da Consense educação para as relações, especialista em psicologia organizacional e governança corporativa.