Você já viveu a situação de estar em uma apresentação ao vivo de música e perceber que algo estava errado? Uma voz fora do tom, um instrumento muito alto ou um chiado do microfone? O interessante é que mesmo sem entender profundamente de música, é possível perceber quando algo está fora da harmonia. E quem entende diz que é preciso mais do que talento individual para que uma apresentação tenha sucesso. Segundo eles, a coesão do grupo e a clareza dos combinados são fundamentais.
Uma das fases mais interessantes do diagnóstico organizacional que realizamos durante a qualificação de possíveis clientes é a checagem da qualidade do alinhamento e da clareza das equipes. Em uma das atividades com este objetivo pedimos que os funcionários desenhem o organograma e, após, comparamos as versões. Algumas pessoas acreditam que o objetivo é avaliar se fizeram o desenho correto. Na verdade, nosso intuito é identificar o quão alinhadas estão as percepções das pessoas sobre os elementos centrais da estrutura e relações do negócio.
E o que isso tem a ver com a música?
Empresas são muito parecidas com grupos musicais, bandas e corais. São sistemas complexos e dinâmicos em busca de uma entrega harmônica com algum nível de sincronia e consistência. E assim como acontece com as apresentações musicais, uma empresa não pode ser saudável se as pessoas responsáveis por administrá-la não se mostram unidas, alinhadas e coesas em suas atitudes. E para alcançar isso, é preciso clareza.
Este é mais um artigo da série Fracasso nos negócios. Se quiser saber mais sobre o motivo deste conjunto de materiais e ler os outros, clique aqui.
Mas por que a clareza é tão importante?
Todo negócio precisa garantir que a entrega e a experiência do cliente correspondam às promessas e expectativas criadas. No entanto, muitas vezes não é isso que acontece. É comum, na verdade, que visão, estratégia e indicadores criados para a organização sejam comunicados de forma inadequada ou incompleta pelas lideranças executivas às lideranças intermediárias. No fim, a área operacional precisa gastar mais energia decodificando as mensagens do que fazendo o trabalho. Ou seja, acabam por fazer o que supõem ser o melhor, para o que supõem ser o objetivo e estratégia.
Para se alcançar um sucesso consistente, todos os níveis da organização precisam buscar constantemente uma certa sincronia e alinhamento. E é aqui que a clareza faz toda diferença, pois a busca do alinhamento passa por criar tanta clareza que praticamente não haverá espaço para confusão, desordem e disputas internas.
Uma pesquisa conduzida pelo Institute of Public Relations coletou respostas de 1.509 funcionários de cinco países (Estados Unidos, Reino Unido, Brasil, China e Índia) entre os meses de julho e setembro de 2015. O objetivo do estudo foi entender a qualidade da clareza em três dimensões principais:
- Dimensão do trabalho: Grau de entendimento do funcionário sobre a estratégia da organização e como essa estratégia é aplicada em seu trabalho;
- Dimensão da estratégia: O empregado acredita que a empresa sabe o que está fazendo e que a estratégia da organização terá sucesso no futuro. Ele está seguro de que a empresa tem capacidade e conhecimento para desenvolver uma estratégia de sucesso em seu mercado;
- Dimensão de mercado: Se o empregado está mais conectado com o mercado (fora de sua organização) do que com seu trabalho atual. Nível de conexão do funcionário com a empresa e se ele vê o trabalho atual como um “trampolim” para oportunidades futuras.
Vale destacar que a intenção é mais compreender como as pessoas enxergam essas questões do que se as empresas fazem ou não um bom trabalho de explicitar as respostas.
E alguns dos resultados brasileiros justificam o porquê de escolhermos a clareza como integrante dessa série sobre Fracasso nos negócios: O brasileiro é o que menos confia na estratégia de sua companhia; o que menos se sente recompensado e reconhecido pelo trabalho que executa; e quase 50% dos funcionários relataram que o comportamento da organização fazia pouco sentido, parecendo mais reagir ao mercado do que agir diante dele.
Como aumentar a clareza organizacional?
Antes de responder a essa pergunta vale destacar que muitos líderes declaram acreditar ser importante buscar alinhamento e clareza. Dificilmente, alguém diz ser contra clarear as definições e informações mais relevantes para a execução do trabalho. Entretanto, poucos sabem ou se dispõem ao risco e ações que essa jornada demanda.
Um outro problema é que a maioria dos líderes que reclama da falta de alinhamento, atribui essa questão a uma falha de postura ou de comportamento individual. Para eles, os funcionários é que não querem trabalhar em conjunto, por exemplo. Um equívoco que afasta ainda mais a solução do problema, pois a clareza é um elemento estrutural, obtido por meio de ações sistêmicas e constantes.
Assim como acontece com a música, que depende das tonalidades, notas e de compassos para existir, toda empresa depende de fluxos de informação, decisão e ação para executar o trabalho e determinar rotinas e processos. A questão é que isso nem sempre é claro para todo mundo o tempo todo.
É neste momento que nasce o descompasso e a falta de ritmo adequado: pouca conversa de qualidade entre áreas, decisões estratégicas que não são traduzidas de forma eficaz, valores que não são vividos na prática, feedbacks que não cumprem o papel de gerar aprendizados ou mudanças, e por aí vai.
É preciso que o líder tenha em mente que uma de suas principais atribuições está justamente em ser maestro desta sinfonia corporativa, garantindo que as informações relevantes circulem de maneira correta para as pessoas certas, no tempo certo. Porém, antes disso, é necessário que a liderança tenha claras as respostas para questões determinantes na busca de alinhamento.
Questões fundamentais
No livro A vantagem decisiva, o autor americano Patrick Lencioni elenca seis perguntas básicas para as quais uma organização deve buscar o máximo de clareza sobre as respostas:
- Por que existimos?
- Como nos comportamos?
- O que fazemos?
- Como vamos ter sucesso?
- O que é mais importante neste momento?
- Quem deve fazer o quê?
Repetindo: as respostas para essas questões devem ser especialmente e primeiramente claras para a equipe de líderes. Qualquer líder com uma percepção discrepante sobre o que a organização define para uma dessas perguntas poderá afetar todo o sistema. Além disso, é preciso compreender que muitas destas perguntas ganharão novas respostas sempre que algo mudar. Ou seja, é fundamental existir um processo que garanta que a liderança discutirá constantemente as respostas para essas perguntas.
Além de clareza sobre a razão e porquê de existência da empresa, é importante que as pessoas saibam o que é esperado delas, quais são as metas, os comportamentos aceitáveis, as rotinas a serem cumpridas, as posturas não-desejadas, os erros toleráveis, as competências a serem desenvolvidas. Informações que dão à equipe o norte necessário para caminhar com segurança.
Também é preciso fornecer a mesma clareza sobre o futuro da companhia, objetivos de curto, médio e longo prazo, e, especialmente, sobre o perfil de cliente e mercado que é foco do negócio. Quantas companhias perdem a chance de inovar e crescer ao afastarem seus colaboradores do conhecimento profundo sobre o cliente…
Por fim, é preciso buscar clareza sobre resultados e impacto do trabalho. Muitos empreendedores têm forte receio de abrir números aos colaboradores. Perdem a chance de dar visibilidade dos “porquês” e dos “para onde” as decisões tomadas levaram o negócio. E saber traduzir estas informações aos diferentes níveis da companhia, com diferentes níveis de confidencialidade e abertura é uma vantagem na busca do alinhamento.
E como num show, é a preparação, seja ela boa ou ruim, que determinará a qualidade da apresentação para o espectador final. Aquele que no mundo dos negócios chamamos de cliente. E quanto mais claros estiverem os elementos centrais e práticos do negócio, melhor será o resultado, pois é a clareza que mantém as pessoas concentradas, ágeis e informadas para tomarem decisões, serem autônomas, criativas e inovadoras. No final, é justamente a clareza que define o caráter da organização e a mantém orientada para o crescimento e para o sucesso.
Anderson Siqueira é fundador da Consense, especialista em desenvolvimento organizacional e governança corporativa.