Eu sei. Você foi fisgado pelo título e está aqui procurando a receita de bolo para se conhecer melhor.
Tá tudo bem, acho que eu teria feito o mesmo.
Particularmente nesta fase, onde existem inúmeros fatores e informações nos colocando pra baixo, drenando nosso ânimo e até nossa esperança, quem não gostaria de ter um mapa perfeito de como se entender e resolver boa parte dos problemas que batem na porta? (Você e eu sabemos que tem vezes que saímos por aí buscando, criando ou catalisando sufocos pra nós mesmos, mas podemos deixar esse segredinho só entre nós).
Feliz ou infelizmente, nada de receita de bolo pra hoje. A jornada para se conhecer é complexa, intensa e interminável. Especialmente interminável, pois a cada nova experiência que vivemos ou nova fase de vida que adentramos, outras nuances chegam para complementar o quadro-geral. É como se a todo o momento estivéssemos recebendo pequenos pedaços do entendimento de quem somos de verdade. Esse conhecimento vai se acumulando e consolidando dentro de nós até que se transforme em uma ferramenta para moldar o mundo ao redor.
Embora tudo isso aconteça de forma muito automática, existem momentos que pedem dinâmicas mais intencionais. O tempo em casa, longe das distrações e dos anestesiadores do dia a dia, os de tempos de “infoxicação”[1] crescente, e por vezes até as más notícias acabam nos impulsionando a parar e responder: Quem é (coloque seu nome aqui)? Quem é essa pessoa que tenho me tornado? Estou satisfeito com ela? O que é de fato importante pra mim?
Quando esse momento chegar (e ele chega. Se você tem menos de 30 anos, só acredite em mim) este framework pode ajudar. Baseado nos pilares da inteligência emocional, estas seis áreas ou perguntas podem ajudar a conectar as pecinhas disponíveis. Pegue papel e caneta ou seu bloco de notas e vamos a elas:
Principais realizações: o que você já atingiu?
Quais são suas conquistas até hoje? E aqui tudo conta: desde a estrelinha dourada da 1ª série até o diploma do pós-doutorado, a compra do carro dos sonhos ou a chegada do segundo filho.
E uma percepção curiosa: noto que é muito mais fácil considerarmos ou relembrarmos as coisas ruins que nos aconteceram. Ou considerarmos as conquistas de dia a dia coisas muito pequenas para serem contabilizadas. Fuja desses pensamentos ou das percepções parciais. Todas as conquistas merecem ser celebradas.
Paixões: o que gera energia
Agora, pense nas coisas que te empolgam. Normalmente são temas dos quais temos facilidade e gosto de falar. Além disso, eles nos fazem naturalmente querer ir além da entrega mediana. Medimos menos o esforço quando encontramos o que nos encanta e nos traz realização.
Aqui também não tem limite de caracteres: liste tudo o que faz o coração bater um pouco mais forte, desde seu pet de estimação até pular de paraquedas.
Forças: o que você valoriza
Nesta fase é o momento de se perguntar do que você não abre mão, seja em si mesmo ou em seus relacionamentos com outras pessoas. Estas são as suas forças ou, usando um termo mais contemporâneo, os seus valores.
Parece uma pergunta muito difícil para responder de bate-pronto? Para ajudar, pode buscar online algumas listas. Leia com atenção cada uma das palavras propostas e pense quais delas aparecem no modo como você toma suas decisões, é atraído ou repelido a diferentes pessoas e quais te desafiam a ser alguém melhor. Conhecer seus valores é a porta de entrada para entender seu próprio sistema de crenças.
Se quiser ler mais sobre valores, já falamos sobre sua importância nas empresas em outro artigo. Você pode acessar aqui.
Repertório: ou aquilo que nunca acaba
Talvez este seja o mais fácil de listar. Repertório nada mais é do que a sua bagagem, a soma de tudo aquilo que foi visto, lido, aprendido, assistido, estudado, debatido, praticado e por aí vai.
Não limite seu conhecimento aos diplomas e certificados que possui. As melhores inovações e insights podem surgir de combinações inimagináveis ou de analogias incomuns. Tudo o que você gastou tempo e energia para absorver é repertório.
Pessoas: quem são os que te afiam?
Nossa vida não seria completa sem nossos relacionamentos. Logo de cara, nascemos envoltos em uma complexa teia de relações, que determinam muito de nossas crenças e jeitos. E assim a vida segue: estamos constantemente aprendendo uns com os outros. Então pense: quem são as pessoas que mais moldaram quem você é hoje? Afinal, uma parte do nosso autoconhecimento é medida em como reagimos às opiniões e atitudes dos demais. Não desperdice essa grande fonte de auto percepção.
Dica 1: que tal aproveitar para dar um alô para algumas dessas pessoas? Reconheça o bem que te fizeram e agradeça. Isso fará bem a ambos.
Dica 2: algumas teorias dizem que a pessoa que mais te irrita é, na verdade, o seu melhor mestre. Será que isso se aplica a você?
Propósito, o combustível para ir adiante
Por fim, pense em seu legado, pelo que deseja ser reconhecido pelas gerações depois de você? Sei que é uma pergunta grandiosa e que, em alguns casos, leva mais tempo para ser produzida. Caso precise de mais ferramentas, você pode dividir a resposta em três aspectos ou áreas: você mesmo, o outro e as causas que te movem.
Hoje, tenho mais indícios para acreditar que propósitos são descobertos, mais do que criados. Talvez, dar um passo para trás e olhar para todas as respostas das demais perguntas possa apoiar a entender qual é a verdadeira marca que você deseja imprimir no mundo.
Neste outro artigo, falamos sobre como o propósito pode ser importante para uma empresa.
É importante ressaltar que não existe uma ordem correta ou ideal de abordagem das perguntas, o que importa é passar por todas. Fazer esse exercício de forma periódica é também uma forma interessante de medir a nossa próxima trajetória ao longo das diferentes fases e desafios da vida. Não posso prometer que será extremamente confortável, nem sempre é fácil olhar para si, mas os benefícios compensarão o incômodo. Afinal, o grande Saramago disse “que é necessário sair da ilha para ver a ilha, que não nos vemos se não saímos de nós”.
Camila Carvalho é jornalista, especializada em gestão, cultura organizacional e liderança 4.0 e entusiasta da educação corporativa.
[1] A palavra infoxicação foi criada pelo físico espanhol Alfons Cornellá em 1996, é a junção das palavras informação e intoxicação. Sofremos disso quando consumimos uma quantidade exagerada de conteúdo e somos incapazes de “digerir” tudo. Nesse contexto, sintomas como dispersão, estresse e ansiedade ficam nítidos.