“O tempo que gastamos em reuniões é o mais alto de todos os tempos, o que é terrível para nossa fadiga de Zoom, mas valioso para criar uma fotografia da cultura da companhia em ação”. Matt Tucker, CEO da Koan Inc.
Atire a primeira pedra quem não está completamente exaurido de tantas videoconferências. (Eu, pelo menos, estou aguardando com alta expectativa a consolidação do modelo híbrido). A aceleração da transformação digital que a pandemia trouxe para dentro de nossas empresas, vidas (e casas) mudou o jeito de lidarmos com o trabalho em maneiras e camadas que nem tivemos tempo de analisar.
O modo de interagirmos com nossos times e com clientes mudou drasticamente. Um dos pontos positivos foi que conseguimos agilidade na realização de encontros que, antes, eram atrasados pelo trânsito. Hoje, damos graças em poder atender clientes em pontos opostos da cidade ainda no período da manhã, o que não era muito possível de se fazer no presencial. E é muito mais fácil falar ou confirmar um detalhe com qualquer pessoa da equipe, especialmente os que ocupam papeis de liderança ou estratégia, já que estamos todos disponíveis e online em nossas plataformas de chat, intranet e outras.
O ponto não tão positivo é que abrimos um espaço ainda maior para reuniões que poderiam ser e-mails.
Steven G. Rogelberg, chanceler da Universidade da Carolina do Norte e autor do livro The Surprising Science of meetings (A surpreendente ciência das reuniões, em tradução livre), lançado em 2019, afirma que apenas 50% do tempo usado em reunião é de fato efetivo, bem usado e engajador. Ou seja: metade do tempo que equipes passam em reuniões, mesmo antes da pandemia, tende a ser desperdiçado ou não produtivo.
Talvez esse era o dado que faltava para o estopim do seu sentimento. “Vamos declarar guerra às reuniões”, diz a sua mente. Você até encontrará alguns apoiadores teóricos e uns outros tantos empíricos para concordar com você. Da minha parte, não acredito que erradicar esses encontros vai resolver todos os empecilhos, pois estamos tratando de algo que é, como disse Tucker na frase do início do texto, ambíguo.
Segundo ele, as reuniões são como uma fotografia da cultura da companhia em ação, ou seja, produto de um conjunto de fatores objetivos e subjetivos. E é neste aspecto que quero me concentrar contigo neste artigo.
Como líderes e empreendedores é fundamental desenvolver a habilidade de enxergar sistemicamente e perceber que, em muitas situações, o gatilho de um problema (por exemplo, uma reunião ruim) e a sua causa raiz dificilmente estão próximos.
Aqui na Consense, gostamos de usar uma frase que retrata essa realidade: quem não gosta de reuniões, nunca experimentou uma de verdade. Boas reuniões são espaços de troca e decisão que permitem que o dia a dia seja acelerado e não o contrário. Inclusive, escrevi recentemente um texto com dicas sobre como fazer boas reuniões, chamado a Importância de discutir, clique aqui e acesse.
Para aprofundar o argumento, apresento cinco pontos ou traços que podem ser analisados a partir de como as reuniões normalmente acontecem em sua empresa.
1. Ausência de processos desenhados ou formalizados
Suas reuniões são agendadas com antecedência ou sempre de última hora? Essa reunião poderia ser um e-mail ou vice-versa? (afinal, não podemos esquecer dos e-mails que deveriam ter sido reuniões). Estes são indícios que podem demonstrar a pouca clareza dos processos de uma área ou até de toda a empresa. A cadência e a análise de todas as atividades inerentes ao dia a dia irão prever a necessidade (ou não) de alinhamento e troca de informação, interna ou externa, e qual é o melhor método e canal para isso.
Importante: Exceções e reuniões de última hora existem, mas não é sobre elas que estamos tratando aqui.
2. Visão de colaboração
As pessoas da sua empresa acreditam que reunião não é trabalho? Reclamam de não terem trabalhado após um dia cheio delas? Muitas pessoas, mesmo em posição de liderança, acreditam que a única forma de trabalhar é estando na frente de um computador teclando. Acabam não enxergando que os momentos de conversa e alinhamento são uma forma poderosa de produzir inovação, alinhamento, clareza e cultura. Sem reuniões, as empresas se tornam sistemas mortos, já que o diálogo é o oxigênio de qualquer instituição.
3. Segurança psicológica
Como está a participação do time nas reuniões? As discussões são sempre dominadas pelas mesmas pessoas? Todo mundo concorda muito facilmente com a primeira decisão tomada? Segurança psicológica é, resumidamente, a crença que um time tem de poder assumir riscos interpessoais diante dos demais. Temos uma lista extensa de artigos sobre o assunto, que você pode conferir aqui. A maneira como a empresa vivencia ou não essa segurança é demonstrada, dentre outras formas, no tempo e na qualidade da fala das pessoas durante as interações da reunião. O que faz uma reunião produtiva e interessante é a troca de diferentes perspectivas e insights, os conflitos que geram boas ideias, a oportunidade de correr riscos…
A segurança oferece contexto para a conquista do comprometimento das pessoas em torno de uma decisão tomada e de todo o aparato de ações em decorrência dela.
4. Baixo comprometimento com combinados
Ao final da reunião, os combinados ficam claros para todos? Todos sabem o que precisa ser feito e por quem? Vamos a um exemplo cotidiano: uma reunião aconteceu e uma série de coisas foram decididas. Ao final, embora cada um aparente saber suas tarefas, não há clareza geral sobre o que será feito de forma macro ou quem ficou responsável por cada ação.
Este é um exemplo comum que mostra como a falta de apetite por clareza de algumas equipes diminui sua capacidade de se comprometer com os planos de ação e resultados. A maneira como um time lida com os combinados de uma reunião pode revelar mais sobre como a própria organização lida com os resultados.
A base de um bom compromisso é a clareza. Quanto mais as pessoas sabem seu papel dentro e fora de uma reunião e quais são os objetivos a serem atingidos em cada espaço organizacional, mais capacidade de se comprometer ele terá. Muitas vezes, novos projetos e ideias acabam não acontecendo por não serem atrelados adequadamente ao dia a dia das pessoas.
5. Vivência dos valores
Quais são, e quem escolhe os temas a serem tratados nas reuniões? Em geral, nos reunimos apenas para falar de problemas de clientes, operação e gestão? Já é sabido que um dos maiores problemas de efetividade em reuniões é o descuido com as pautas a serem tratadas (dica: quer melhorar seu sistema de reuniões? Comece por aí).
Porém, um outro elemento a ser considerado é quanto tempo e espaço investimos para falar sobre questões intangíveis, como a prática dos valores, a cultura que queremos, a própria segurança psicológica, sobre os diferenciais que o cliente precisa ver na ponta, entre tantos outros.
Se a reunião é um extrato da cultura, mas não investe tempo falando sobre esses aspectos, não é absurdo pensar que esta cultura não é intencional e sim um produto aleatório das pessoas que estão no negócio. Não há como existir perenidade e crescimento desta forma.
Assim, meu convite é: seja um cientista da sua próxima reunião. Verifique o que ela está dizendo sobre os processos, o trabalho em equipe, a estrutura e a cultura da empresa onde você trabalha. Se, possível, traga esse assunto à tona, coloque-os na pauta. Como disse anteriormente, boas reuniões são aceleradoras e propulsoras de bons resultados, algo que não podemos perder de vista.
Camila Carvalho é jornalista, especializada em gestão, cultura organizacional e liderança 4.0 e entusiasta da educação corporativa.