Você já deve ter esbarrado em matérias e notícias abordando a decisão de alguns empresários de adotarem a jornada de trabalho de 4 dias da semana. Alguns até dizem que se trata de uma ação para aumentar a produtividade. Aqui no Brasil, startups como a Gerencianet, Crawly, Shoot, NovaHaus e ZeeDog estão entre as primeiras a adotarem a medida que, mundo à fora, já tem até países adeptos, como é o caso dos Emirados Árabes, Bélgica, Islândia e Escócia (os três últimos com modelos intermediários).
O fato é que a discussão sobre a jornada de trabalho reduzida não se baseia apenas numa visão moderna de ampliar os benefícios de uma vida mais equilibrada entre o aspecto particular e do trabalho. Trata-se de algo mais profundo, que se conecta ao amadurecimento da nossa percepção sobre o que é produtividade. E essa é, sem dúvida, uma discussão fundamental no mundo em que vivemos hoje.
Uma pesquisa realizada pela startup Reclaim.ai, em 2022, com cerca de 2.000 profissionais, dentre eles gerentes e membros de equipes, descobriu que apenas 12% são totalmente produtivos por mais de seis horas no trabalho. O resultado também apontou que apenas 53,3% do tempo é realmente gasto em trabalho produtivo. A pesquisa também perguntou sobre interrupções, e os profissionais relataram enfrentar, em média, 31,6 interrupções por dia, 25,6 reuniões por semana e 1,96 hora por dia com trabalho improdutivo.
Ao retomarmos pesquisas mais antigas, encontramos o estudo do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas, realizado entre 1981 a 2018, focado no setor produtivo, que traz um dado muito conhecido nos corredores das empresas – o de que nós, brasileiros, somos pouco produtivos a ponto de levarmos uma hora para fazer o mesmo produto ou serviço que um norte-americano faria em 15 minutos e um alemão ou coreano, em 20 minutos.
O fato é que a produtividade sempre foi vista pela ótica matemática de quanto pode ser feito por hora. Como é o caso do índice da FGV e de outros que a calculam dividindo a quantidade produzida pelas horas trabalhadas e incluindo alguns fatores específicos. Porém, este conceito não consegue abranger o conteúdo do trabalho complexo e criativo que invadiu a nossa sociedade há algumas décadas.
Desta forma, expandir o conceito de produtividade é importante para poder saber exatamente como melhorá-la em nosso dia a dia. Por isso, resolvi trazer aqui algumas provocações para que você possa ampliar sua visão sobre este tema e, claro, apoiar o seu trabalho de gerenciar a produtividade de sua empresa ou equipe.
Não é sobre horas trabalhadas, é sobre gestão de resultado
Muita gente ainda acredita que produtividade tem a ver com aquela figura empenhada e ocupada do escritório. Aquela pessoa que chega logo cedo e fica até mais tarde, trabalhando horas à fio sem levantar para ir ao banheiro. Profissionais assim, em geral, são chamados de esforçados e empenhados e em algumas empresas são até premiados e promovidos, criando um recado institucional sobre o tipo de comportamento esperado.
Porém, ao se olhar mais de perto, é possível perceber que a maioria produziu mais calor do que resultados efetivamente. Outros se debruçaram a fio em atividades sem real impacto para os resultados ou mesmo completamente desnecessárias. Peter Drucker tem uma [outra] ótima frase para isso: “Não há nada tão inútil quanto fazer bem feito o que não deveria ter sido feito”. E, de fato, a maioria daqueles que acredita que produtividade é a soma de horas trabalhadas, pouco reflete sobre a qualidade deste trabalho.
Produtividade não tem a ver apenas com a quantidade de horas que se trabalha, mas com a qualidade com a qual se emprega essas horas, tem a ver ainda com a qualidade final do trabalho realizado, com a gestão eficiente dos recursos de execução e, importantíssimo [!], com o quanto esse indivíduo comprometeu sua capacidade de continuar produzindo.
Costumamos dizer aqui na Consense, ao fechar um projeto, que nos comprometemos com a entrega de valor descrita na proposta e não apenas com a quantidade de horas vendida. E isso se conecta muito com este ponto, pois uma pessoa produtiva entende que precisa gerenciar os resultados a serem entregues, não apenas as horas trabalhadas.
Por isso, para ser produtivo, é preciso seguir alguns passos importantes:
- Saber qual o objetivo final do trabalho, pois isso garante que saberá para o quê está trabalhando, aumentando sua capacidade de definir o que priorizar a cada etapa do trabalho e também aquilo que não precisa ser feito por não estar alinhado com o objetivo definido;
- Monitorar resultados-chave que demonstrem o progresso do trabalho rumo aos objetivos, garantindo que se tenha a chance de fazer ajustes de rota no caminho, bem como permitir que se escolha adequadamente quais ações colocar mais energia.
- Ter clareza sobre as prioridades. Quantos de nós não passamos por momentos de grande ansiedade sem saber por onde começar? E quantos começam a trabalhar sem ao menos refletir qual é a ação prioritária naquele dia ou semana? A ausência de clareza sobre o que é prioridade prejudica a produtividade em vários aspectos. E para isso existem ferramentas interessantes, como é o caso da Matriz de Eisenhower, usada para refletir sobre as ações mais relevantes para o momento;
- Saber de fato o que é seu e o que não é. Essa vai para os líderes, principalmente, por que não tem comportamento mais nocivo para a produtividade [de toda a empresa] do que o excesso de controle e centralização. Saber delegar é habilidade mínima de quem é produtivo, pois valoriza sua disponibilidade a ponto de compreender que determinadas atividades precisam ser delegadas para que outras possam ocupar o lugar.
Por essas e outras, produtividade não é sobre horas trabalhadas, mas sobre a gestão adequada do output, ou seja, do resultado. Porém, sozinha, essa habilidade não dá conta ainda de uma produtividade contextualizada ao nosso mundo atual. Para isso, é preciso também olhar para dentro.
Não é sobre ser esforçado, é sobre gerenciar a energia vital
Outra figura bem conhecida dos ambientes de trabalho é aquela pessoa esforçada e determinada. Em geral, seu desempenho é mediano, mas a forma como deseja executar bem o trabalho acaba convencendo os demais de que é produtiva. Do outro lado, temos aqueles que vivem estressados, perdidos e cheios de pendências. Imersos em meio a tantos compromissos, não conseguem executar com afinco nenhum deles. No fim do dia, frustrados, lamentam ter apenas 24h para fazer tudo o que precisa ser feito.
Eu fico realmente triste em saber que algumas pessoas acreditam que para ser produtivo é preciso produzir doença e frustração. Já abordei em outro artigo a pesquisa divulgada pelo Gallup, sobre os 5 principais motivos de esgotamento no trabalho: tratamento injusto no trabalho; carga de trabalho não gerenciável; falta de clareza de função; falta de comunicação e apoio do gerente; e pressão de tempo irracional. Nota-se que pelo menos três deles estão diretamente ligados à produtividade que estamos falando.
No livro Produtividade Máxima, a autora brasileira Tamara Schwambach Kano Myles, conta que cerca de 90% das pessoas que a procuram na consultoria sentem-se sufocadas pela desordem em seus ambientes de trabalho. No livro, ela combina a teoria das necessidades de Maslow para priorizar a busca pela produtividade assumindo uma postura gestora do próprio tempo e vida, a começar pelas suas necessidades pessoais básicas.
Vale citar também o que falou o ex nadador da seleção brasileira e influenciador de performance, Joel Jota, em um de seus vídeos. Segundo ele, é preciso saber gerenciar a sua energia vital disponível para o trabalho, mais do que as horas. Eu fiquei bem feliz, pois isso me fez lembrar de uma entrevista [que eu li quando adolescente] feita com o autor Stephen King, onde ele revelou dividir suas tarefas diárias em duas listas: trabalho criativo e trabalho reativo. Isso o ajudava a escolher a depender de como ele estava física e emocionalmente, em qual dos trabalhos iria colocar energia. E eu passei boa parte da minha vida organizando minhas tarefas assim, risos.
Tudo isso para nos fazer refletir que por mais eficientes que possam ser nossos controles de horas trabalhadas; por mais claros que estejam nossos objetivos e resultados-chave; por mais avançado que seja nosso programa de gestão de tarefas e por mais detalhado que esteja o nosso backlog ou lista de tarefas; é o nosso estado físico, mental e emocional que vai permitir a produtividade. E mais: de forma que continuemos sendo produtivos no decorrer do tempo. Até por que fuzil queimado não serve pra muita coisa, né?
Portanto, considere para sua produtividade:
- Gerencie sua energia vital disponível para o trabalho. Cuide de sua hidratação e alimentação, observe seu corpo e seu estado emocional. Aprenda, por meio do autoconhecimento, quais os seus momentos mais disponíveis para cada tipo de trabalho. Aprenda a usar isso a seu favor e, claro, garanta que esteja saudável para se manter produtivo;
- Cuide do espaço físico onde trabalha. No livro já citado da Tamara, aprendemos como ambientes sujos, bagunçadas e com papelada em excesso ocupam espaço mental disponível para o trabalho;
- Ganhe musculatura emocional para saber dizer não e negociar as demandas que aceita de seus pares e superiores. Apesar de desafiadora, essa é uma habilidade fundamental para manter-se produtivo. Garanta que todos tenham visão de suas entregas e permita que isso te ajude a negociar de forma mais equilibrada novas demandas, sem vitimismos e culpabilizações.
- Por fim, gerencie as interrupções. A cada interrupção em meio a um trabalho de concentração, nosso cérebro custa a voltar ao ponto anterior. O que ao longo do dia vai se somando às horas improdutivas. Procure encontrar um formato de trabalho que evite ser interrompido por mensagens, e-mails e outras coisas o tempo todo ou pelo menos por um bloco de tempo pré-estipulado. A técnica Pomodoro é ótima pra isso, pesquise.
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Além de agradecer a você que chegou até aqui comigo, quero deixar um recado importante sobre o cuidado que precisamos ter para não incorrermos nos modismos que tentam nos transformar em máquinas de produtividade. Não caia nessa. Não é sobre isso.
O trabalho em 4 dias da semana demanda uma visão mais equilibrada e adequada sobre o que é produtividade e pode, sim, ser uma realidade a partir do momento em que empresas e profissionais se dediquem a garantir a melhor gestão do tempo disponível para o trabalho e, claro, a melhor gestão da energia vital para o trabalho, sem excessos e permitindo que ela não se esgote a ponto de não sobrar nada para o outro dia.
Lembre-se que é saudável compreender que podemos sim alcançar níveis superiores de excelência nas nossas entregas ao cultivarmos uma postura [atenção ao clichê] protagonista nesta história. O segredo aqui é saber escolher o que serve para nós e o que não serve e, principalmente, equilibrando nossa energia vital para que ela se mantenha disponível o mais tempo possível. Isso é produtividade.
Anderson Siqueira é fundador da Consense educação para as relações, especialista em desenvolvimento organizacional e cultura corporativa.