Estava conversando com o dono de uma média empresa recentemente e ouvi ele dizer “Eu estou nesse negócio há pelo menos 20 anos, é claro que eu conheço tudo em minha empresa”. Fiquei pensando: será?
É natural que donos de pequenas e médias empresas cultivem a ideia de que conhecem suas empresas completamente. A relação emocional profunda, o tempo lidando com os problemas e a relação com clientes e pessoas produzem essa sensação de familiaridade. Porém, cabe a reflexão crítica de que estes mesmos elementos podem cultivar também um olhar viciado, que abre pouco espaço para a dúvida, curiosidade e para o subjetivo por trás da forma de ver o mundo.
A história da maioria dos empresários fundadores é bem parecida. Surge uma ideia, uma visão e, com perseverança e paixão, são investidos vida e patrimônio na transformação dessa ideia em negócio. A empresa cresce, novas pessoas são incluídas, novos jeitos de fazer as atividades são criados e novos tipos de problema vão surgindo também.
E aqui mora um desafio crucial para os donos: Compreender que a mudança de tamanho e complexidade do negócio, pede também uma mudança no jeito de ver o negócio, o mercado, seus problemas e de criar as soluções. Isso é um desafio por que o sócio frequentemente é forjado na capacidade de resolver problemas e enfrentar adversidades. O que por um lado garante crescimento, mas por outro, nutre a falsa sensação de que se sabe tudo, se compreende tudo e se pode tudo – em todos os tempos.
Uma inverdade que pode ser bem perigosa. E, veja, não se trata de uma apologia a falta de conhecimento, mas uma advertência à sensação de conhecimento profundo e ao tipo de conhecimento que realmente importa em cada momento e estágio do negócio.
Inclusive, produzimos um documento que provoca a reflexão sobre diferentes estágios de maturidade de empresas. Para baixar, acesse aqui.
Mas por que isso é ruim?
O primeiro motivo é a falta de incentivo na criação de processos e comportamentos formais de busca de informações e conhecimento. É comum em empresas onde reina a sensação de conhecimento, que pouco se invista na produção de novos conhecimentos. Seja sobre o mercado, sobre o cliente e sobre o produto ou serviço que se entrega. Já conheci empresas nascidas de grandes ideias, baseadas justamente na perspicácia de um olhar diferente sobre o cliente, mas que ao longo do tempo, deixou de lado essa prática e foi ficando de fora do mercado por não avançar junto com ele.
Também é comum que tal comportamento normalize o controle e a centralização, tanto na tomada de decisão, quanto na realização do trabalho. Afinal de contas, o conhecimento que existe vem acompanhado da ideia de que alguém sabe tudo e não é preciso conhecer mais nada. Já vi diversos empresários relutarem em admitir que seu olhar era incompleto e, por conta disso, impediram que outras pessoas decidissem ou tivessem autonomia. Mais do que isso, anulavam qualquer um com uma visão crítica sobre o negócio ou ideia nova para implantar.
Outro efeito muito comum decorrente da sensação e centralização do conhecimento é o boicote ao desenvolvimento e aprendizado das pessoas, principalmente por que retira delas o desejo por buscar informações e conhecimentos para solucionar os problemas. Com o tempo, as respostas se tornam sempre as mesmas, o engajamento e motivação diminuem e reina uma sensação de ciclo vicioso muito desconfortável. Talentos são naturalmente desencorajados a ficarem na empresa e ninguém se atreve a correr riscos ou se entregar emocionalmente.
Ou seja, a falta de conhecimento ou a falsa sensação de conhecimento impedem a empresa de realmente desfrutar da diversidade e do pensamento crítico que vêm junto com a curiosidade e o incentivo ao conflito caloroso para tomar decisões.
Mas o que pode ser feito então?
A questão aqui não é se você, sócio, dono ou líder, sabe ou não sabe tudo sobre seu negócio. É sobre o QUANTO você NÃO sabe e sobre O QUÊ você deveria saber. O quanto antes se assumir uma postura baseada na curiosidade de quem não se sabe tudo, melhor será para o negócio.
Uma empresária americana chamada Eileen Fisher, dona da marca de roupas femininas Eileen Fisher, se intitula como uma “desconhecedora”. O interessante é que, com isso, ela criou um formato de liderar baseado no questionamento e na curiosidade. Invertendo a lógica tradicional do líder que sabe tudo e decide tudo. Sua marca não apenas cresce de forma sustentável, mas também é reconhecida pela inovação e pela capacidade de impacto.
Um ótimo exemplo sobre como lidar com isso, pois amplia a capacidade do líder de aprender constantemente. E, como já sabemos, em um mundo em constante transformação, não basta saber aprender, é preciso saber desaprender e desapegar. Como diria Peter Drucker, é preciso saber exercitar o “abandono organizado” sobre aquilo que não é mais relevante para si e para o trabalho.
Portanto, que tal refletir se você tem nutrido muitas certezas sobre o seu negócio. Se tem acreditado que seus mecanismos de saber das coisas são de fato relevantes para o próximo estágio de sua empresa. Que tal se dar o benefício da dúvida e começar a perguntar mais do que dar as respostas?
Espero que esse artigo te coloque nesse lugar de curiosidade. Onde ficam também o aprendizado e a inovação.
Um abraço e até mais!
Anderson Siqueira é fundador da Consense educação para as relações, especialista em desenvolvimento organizacional e cultura corporativa.
Para saber mais:
Abandono organizado: Pratique o desapego nos negócios
Fracasso nos negócios: não ouvir o cliente